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Marina Silva

Onde o povo está

No início desta semana, enquanto o noticiário político mostrava que tudo muda para permanecer igual, uma reportagem do cotidiano na metrópole comoveu a todos: o drama de nove crianças -entre elas, bebês- encontradas sozinhas, famintas, em um apartamento bem precário no centro de São Paulo. A primeira descrição, apressada, foi de que a mãe tinha deixado as crianças para beber em um local próximo.

Dias depois, com a interferência de assistentes sociais, informou-se que ela tinha saído para fazer um "bico", e que por isso deixou os filhos no apartamento de outra pessoa. Mas a comoção não foi menor. A fome não era por abandono, mas por a mãe não ter dinheiro. Muitas questões são levantadas nesses casos: falta de planejamento familiar, o abandono das famílias pelos pais e até mesmo a violência contra mulheres e crianças.

Mas chamo a atenção para outro ponto: famílias chefiadas por mães em situação grave de pobreza ainda não são alcançadas pelos programas sociais. De 1993 a 2008, o número de pessoas vivendo em condições de extrema pobreza diminuiu em mais de 50%, mas as que vivem em famílias chefiadas por mulheres quase não participaram dessa mudança: passaram de 5,5, em 1993, para 5,2 milhões em 2008, segundo levantamento coordenado pelo saudoso economista André Urani. Redução quase imperceptível. Muitos chamam o fenômeno de feminização da pobreza.

Tal caso mostra uma difícil realidade. Segundo a imprensa, após devolver as crianças para sua mãe, a primeira providência da assistência social foi inscrevê-las no Bolsa Família. Ou seja, mesmo após mais de dez anos de programas de transferência de renda -se considerarmos os primeiros programas implantados-, vemos uma mãe nessa situação não ter acesso ou não ter sido encaminhada para um programa de apoio familiar.

Em 2010, na elaboração de programa de governo, propusemos a "terceira geração de programas sociais" -ampliar e integrar os programas de erradicação da pobreza, pensando numa Rede de Agentes de Desenvolvimento Familiar que tomasse a iniciativa de ir, como diz a canção, "onde o povo está".

No caso dessa mãe, o trabalho consistiria, num primeiro momento, em tirar a família da condição de pobreza extrema para depois ajudá-la a planejar seu desenvolvimento, auxiliando-a a ter acesso aos serviços públicos e a treinamento, educação e trabalho.Famílias como a que foi citada têm prioridade nas creches de que tanto precisam?

O triste é ver que a indigência social no Brasil permanece submetida à opulência política nos destaques do noticiário -o que revela como tudo muda para permanecer igual.

MARINA SILVA escreve às sextas-feiras nesta coluna.

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