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Hélio Schwartsman

A boa morte

SÃO PAULO - Aparentemente ninguém deu muita bola para a proposta, feita pela comissão de juristas que revê o Código Penal, de descriminalizar certos tipos de eutanásia. Esse, entretanto, é um assunto importantíssimo e que tende a ficar cada vez mais premente, à medida que a população envelhece e a medicina amplia seu arsenal terapêutico.

Desligar as máquinas que mantêm um paciente vivo pode ser descrito como um caso de homicídio, ainda que com o objetivo nobre de evitar sofrimento, ou como uma recusa em prosseguir com tratamento fútil, o que é perfeitamente legal.

Como sempre, acho que cabe a cada qual fazer suas próprias escolhas. Mas, já que nem sempre sabemos o que é melhor, convém dar uma espiadela em como pensam aqueles que, de fato, entendem do assunto.

Num artigo que está movimentando a blogosfera sanitária e já foi reproduzido no "Wall Street Journal" e no "Guardian", o doutor Ken Murray sustenta que, embora os médicos apliquem todo tipo de manobra heroica para prolongar a vida de seus pacientes, quando se trata de suas próprias vidas e das de seus entes queridos, eles são bem mais comedidos.

Como estão familiarizados com o sofrimento e os desfechos das medidas extremas, querem estar seguros de que, quando a sua hora vier, ninguém vai tentar reanimá-los nem levá-los a uma UTI para entubá-los e espetá-los com cateteres. Murray diz que um de seus colegas chegou a tatuar o termo "no code" (sem ressuscitação) no próprio corpo.

A pergunta que fica, então, é: se não são sádicos, por que os médicos fazem aos outros o que não desejam para si mesmos. E a resposta de Murray é que ocorre uma perversa combinação de variáveis emocionais, econômicas, mal-entendidos linguísticos, além, é claro, da própria lógica do sistema. Em geral, para o médico é muito mais fácil e seguro apostar no tratamento, mesmo que ele se estenda para muito além do razoável.

helio@uol.com.br

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