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Kenneth Maxwell

Salazar vive

Não é só o Brasil que enfrenta problemas para lidar com seu passado recente. Portugal também tem dificuldades com relação à memória histórica.

António de Oliveira Salazar governou Portugal como primeiro-ministro por 36 anos, de 1932 a 1968. Ele se aproximou do poder bem antes, quando se tornou ministro das Finanças, em 1928.

Em 1968, sofreu uma hemorragia cerebral depois de cair da cadeira. Seu sucessor, Marcelo Caetano, vivia preocupado com a possibilidade de que ele se recuperasse e começasse a questionar por que não estava mais no comando.

Salazar está de volta aos noticiários. O município de Santa Comba Dão, ao norte da cidade de Coimbra (centro de Portugal), onde ele nasceu em 1889 e onde está sepultado, decidiu estabelecer uma "marca Salazar" para promover os produtos agrícolas locais. O primeiro será uma nova marca de vinho regional chamada Memórias de Salazar. O prefeito João Lourenço, do Partido Social Democrata (PSD), disse que a intenção não era "alicerçar-se no saudosismo nem nas romarias da saudade".

O líder da seção local da União de Resistentes Antifascistas Portugueses (Urap) tem opinião diferente. António Vilarigues afirma que aqueles que desejam reviver o nome de Salazar não reconhecem "a trágica realidade do regime salazarista, responsável pela detenção e morte de milhares de cidadãos portugueses, e pelo início de uma terrível guerra colonial que durou 13 anos e forçou a emigração de milhões de pessoas".

Essa não é a primeira vez que Salazar ressurge como causa de controvérsia pública. Em 2007, a rede de TV portuguesa RTP recebeu uma reprimenda quando Salazar foi escolhido como "o maior português de todos os tempos" em uma pesquisa de opinião encomendada por ela. Logo surgiu a informação de que o resultado era improcedente devido a votos repetidos.

Em 25 de abril, fará 38 anos que jovens oficiais das Forças Armadas derrubaram o regime ditatorial criado por Salazar. Ao contrário do Brasil depois de sua era militar, em Portugal o rompimento com o passado foi claro. Caetano foi preso e exilado. Depois de uma acirrada disputa ideológica, surgiu um novo sistema político que tornou Portugal muito mais europeu e pôs fim a envolvimentos ultramarinos que duraram 500 anos -e dos quais o Brasil é a mais duradoura e importante criação.

A entrada de Portugal na União Europeia não teria sido possível sem o fim de tudo aquilo que Salazar representou. Os políticos portugueses são acusados pela péssima situação financeira em que o país se encontra, e com razão. Mas a presente crise não deveria servir como desculpa para a nostalgia quanto ao passado ditatorial.

KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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