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Jaques Wagner

A vitória da democracia

Na greve dos PMs da Bahia, evitamos um novo Eldorado dos Carajás ou um Carandiru; o corporativismo não pode afrontar os interesses coletivos

Foi a vitória não do governo, mas da democracia. Ao final de 12 dias, às vésperas do Carnaval, a greve da Polícia Militar da Bahia terminou sem choques frontais entre as Forças Armadas e os integrantes de um movimento inconstitucional, amotinados na Assembleia Legislativa.

Esse desfecho exprime a prática da política democrática, com firmeza de posicionamentos e, ao mesmo tempo, o exercício da autoridade.

Foi a política, no sentido da mediação racional, que conferiu consistência ao uso adequado da força pelo Estado para proteger a população, conter a violência dos grevistas e assegurar o restabelecimento da ordem pública.

Por que venceu a democracia? Primeiro, o governo não poderia se render a chantagem dos grevistas que provocaram medo na tentativa de alcançar os seus objetivos. Não enfrentar o movimento, decretado ilegal pela Justiça, seria a negação da autoridade constituída pelo povo, a mais legítima na democracia.

Por outro lado, a ausência de visão política, que procurasse superar o conflito a partir do uso exclusivo da força pelo Estado, seria, certamente, antidemocrática.

Na pior das hipóteses, reeditaria fatos dolorosos como o Carandiru ou Eldorado dos Carajás.

Segundo, os grevistas estavam confundindo liberdade de associação, que aponta o caminho para a solução dos seus problemas, com a liberdade de fazer greve, vetada, por força de lei, a policiais militares.

Nas sociedades democráticas, as liberdades de palavra e reunião são concedidas mesmo aos inimigos mais irredutíveis. Não é nem nunca foi o caso da Polícia Militar da Bahia, com o fluxo da interlocução sempre aberto com o seu comando.

O terceiro aspecto é consequência direta dos dois primeiros -uma greve ilegal e a confusão entre liberdade de associação e direito de greve.

A mediação entre autoridade e grevistas se tornou, portanto, um imperativo. Mediação, em momento algum, significou inércia ou passividade, tibieza ou falta de foco. Tanto que o governo manteve os seus princípios, sem recuar de posições fundamentadas em fatos, fosse nas reivindicações salariais, fosse na punição para os líderes grevistas. A opinião pública se posicionou contra o movimento, em um ambiente em que a mídia trabalhou com liberdade.

Nesse episódio, uma questão fundamental de referência era o significado nacional do movimento.

O ponto essencial encontrava-se na forma como a greve seria enfrentada. Se fora dos preceitos democráticos, tenderia a acender o estopim da revolta. Caso contrário, como ocorreu, dissuadiria movimentos similares como o que estava para eclodir no Rio de Janeiro. O revés da greve na Bahia protegeu o Brasil dos excessos de um corporativismo que afronta aos interesses coletivos.

A sociedade é mais moderna, mais livre e mais assemelhada. Os brasileiros buscam uma vida segura e elegem governos democráticos para participar, não para minar a sua autoridade. Entendem que direito de greve e diálogo são valores universais e que um não pode existir sem o outro, pois o direito de greve é como se fosse o barro da história da democracia.

Não existe respeito ao direito de greve, de um lado, e respeito pela democracia, do outro. Existe, sim, uma coincidência entre direito de greve e democracia. É por isso que existem greves legais e greves inconstitucionais. Esse limite é que assegura o Estado democrático. É a única garantia de respeito à constituição pelos governantes, da liberdade para a sociedade e segurança do cidadão.

JAQUES WAGNER, 61, é governador da Bahia pelo PT

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