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Carlos Heitor Cony

A noite escura

RIO DE JANEIRO - Deve ser um problema com o nome: "Comissão da Verdade". E também de número: sete pessoas. Não creio que haja sete caras no mundo que tenham o mesmo conceito de e sobre a verdade. Sempre prevaleceu a verdade de cada um, o assim é se lhe parece, de Pirandelo. Daí a dificuldade de dona Dilma nomear os membros que examinarão atos e fatos criminosos do período ditatorial.

Cada um de nós tem engasgado na garganta um detalhe daquele tempo. Alguns são sabidos, há documentos, fotos, textos e depoimentos bastante divulgados. Muita coisa, porém, continua em sigilo e é natural que a sociedade cobre do governo a verdade dessa "noche oscura" da vida nacional.

Pessoalmente, gostaria de comprovar um episódio que até hoje não sei se é verdadeiro, mas revelador da repressão naquele tempo. Certa noite, um oficial da Aeronáutica e dois soldados saíram da Base Aérea do Galeão numa kombi para apanhar oito inimigos do regime. Todos na zona sul da cidade. Já quase madrugada, o oficial decidiu voltar ao Galeão com os oito subversivos que constavam na lista que recebera de seus superiores.

Na altura da praça Mauá, ele resolveu contar os presos dentro da kombi e viu que só conseguira apanhar sete. Não podia se apresentar ao comando sem os oito detidos. Naquela hora e lugar, não havia ninguém nas ruas, mas ouviu o barulho de uma banca de jornais abrindo na esquina da rua São Bento para receber os primeiros exemplares. Encostou a kombi e mandou que o dono da banca, um italiano de 45 anos, recém-chegado ao Brasil, entrasse no carro.

Pouco depois, entregava no Galeão os oito subversivos, que foram jogados no mar, perto de Itaipu. Carimbaram em cima da lista que lhe haviam dado: "Recebido".

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