Hélio Schwartsman

Anomalia política

SÃO PAULO - No sistema de "checks and balances" (pesos e contrapesos), comissões parlamentares de inquérito costumam ser uma arma da minoria contra a maioria. Esta última, afinal, já tem à sua disposição um arsenal bem mais poderoso, que inclui o chefe de polícia.

Nesse contexto, a CPI do Cachoeira, com o objetivo de escarafunchar as relações entre o bicheiro e o senador oposicionista Demóstenes Torres, já nasce como uma anomalia. O envolvimento da empreiteira Delta, com a qual o governo federal mantém vários milhões em contratos, no "imbróglio" transforma a anomalia numa verdadeira singularidade.

A melhor hipótese para explicá-la é a de que o PT, em especial a ala mais ligada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não por acaso um entusiasta da CPI, pretende usar a investigação como trunfo no julgamento do mensalão, que pode ter início nos próximos meses.

O problema dessa estratégia é que ela impõe uma linha de defesa para o PT que muitos considerariam pouco virtuosa. É como se o partido dissesse "não fizemos nada que os outros também não fizeram".

Em termos de práticas, isso provavelmente é verdade. Eu diria mais. Pelo menos para mim o PT prestou um favor em 2005 ao demonstrar que a natureza humana é relativamente uniforme e que, especialmente em política, precisamos rejeitar o mito do bem em embate contra o mal.

É o caso, porém, de perguntar se essa linha de defesa é boa para o partido numa perspectiva de longo prazo. O discurso ultrarrealista do "todo mundo faz" funciona mais ou menos bem na boca de um líder carismático como Lula, que se relaciona diretamente com a população.

No imaginário, ele não é uma instituição, mas um amigo, ao qual perdoamos os deslizes e louvamos a sinceridade. Se o PT, entretanto, tem planos de sobreviver a Lula, é complicado vender-se como um partido igualzinho aos demais.

helio@uol.com.br