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Marina Silva

Pesos e medidas

Em entrevista ao "Jornal Nacional", na última quarta-feira, o ministro Carlos Ayres Britto, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse algo que vale por uma definição do comportamento que uma instituição pública deve ter: "Eu gosto de perceber o que está conforme o modo de sentir a vida da população como um todo. E procuro auscultar os anseios coletivos para ver se eles comportam uma formatação jurisdicional fundamentada, tecnicamente fundamentada. Se isso for possível, é a conciliação do direito com a vida".

Ontem, o ministro assumiu a presidência do STF para um mandato de sete meses, quando deverá, por lei, aposentar-se de suas funções, pois completará 70 anos. Serão meses intensos para Ayres Britto e para o país, que tem questões delicadas para resolver, não só do ponto de vista jurídico como também político.

O que torna ainda mais significativo o fato de estar à frente da nossa mais alta Corte de Justiça um magistrado com o perfil do ministro Ayres Britto, sergipano de opiniões firmes e conduta serena, que não reduz seu papel à aplicação fria de artigos, incisos e parágrafos. Entra corajosamente no território da interpretação da lei pelo critério que ele mesmo definiu: o de conciliar o direito com a vida, com os sentimentos da sociedade, ao abrigo da Constituição.

Ayres Britto tem se mostrado capaz de tomar decisões graves, duras, sem medo de ferir os consensos tradicionais e a lógica estabelecida pelo confronto de forças às vezes extremamente desiguais na sua capacidade de acesso à Justiça.

Foi assim, por exemplo, no caso da reserva indígena Raposa/Terra do Sol, quando os interesses econômicos do entorno e seus apoiadores tentaram deslegitimar a manutenção de direitos indígenas milenares assegurados pela Constituição. Seu apoio ao trabalho do CNJ e aos movimentos sociais de combate à corrupção também sinalizaram a sintonia do magistrado com os anseios da sociedade.

O novo presidente do STF se permite dialogar com a sociedade, numa atitude diferente daquela com a qual nos acostumamos a ver. A Corte certamente não pode ser conduzida por apupos e claques, mas não deve ser surda ao legítimo clamor da sociedade e ao chamado da Justiça.

Algumas vozes dão conta de que o STF, sob a presidência de Ayres Britto, tenderia a uma espécie de populismo. Ver os sentimentos da sociedade serem levados em conta pode, de fato, provocar uma certa inquietude, um temor. Mas o valor que está em jogo é muito maior do que essas apreensões passadistas. Em um tempo no qual o Supremo se assume com firmeza como Poder da República e não se furta de tratar de questões as mais controversas, Ayres Britto terá papel fundamental.

MARINA SILVA escreve às sextas-feiras nesta coluna.

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