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Sobre leis e florestas

Câmara abandona acordo de consenso obtido no Senado e aprova Código Florestal que não resolve impasse sobre patrimônio natural do Brasil

Até as poucas araucárias da serra da Mantiqueira sabem que o Código Florestal de 1965 é mais uma árvore na imensa floresta de leis brasileiras que "não pegaram".

Tal como aprovado no Congresso, o novo código tem escassa chance de mudar essa situação.

Além de abrir mão de uma eficaz ferramenta para impor seu cumprimento (acesso a crédito oficial), o texto vai longe demais na regularização de desmatamentos ilegais e desequilibra o almejado balanço entre produção agropecuária e preservação ambiental no Brasil.

A bancada ruralista da Câmara, liderada pelo sempre governista e inconfiável PMDB, acredita ter infligido nova derrota política à presidente Dilma Rousseff. Na prática, deu um golpe em favor do atraso.

Há muito o código se distanciou da realidade agropecuária, deixando na ilegalidade muitos produtores rurais que agiram de boa-fé. Algumas concessões teriam de ser feitas a quem desmatou, até pela dificuldade de discernir quem o fez legal ou ilegalmente. E muitas o foram, já no texto aprovado no Senado após tratativas de que participaram deputados da Frente Parlamentar Agropecuária.

Entre as concessões estava a desobrigação de pequenos agricultores recuperarem áreas de reserva legal -80% de propriedades na Amazônia, 35% no cerrado e 20% no restante do território nacional- desmatadas até julho de 2008 (embora a regra estivesse em vigor pelo menos desde 2001).

Os deputados, porém, queriam mais: livrar-se da obrigação de recompor matas que evitam a erosão das barrancas de rios numa faixa mínima de 30 m. Só por questão regimental, aceitaram 15 m de recomposição para rios de até 10 m de largura, mas eliminaram as faixas subsequentes para rios maiores.

Toda a negociação que produziu o consenso no Senado se baseava no princípio de que a suspensão de multas e autuações teria contrapartida. Ela viria com um compromisso de recomposição das matas, a ser oficializado pela inscrição da propriedade num cadastro de regularização ambiental.

Os infratores teriam cinco anos para aderir. Depois disso, perderiam acesso a crédito oficial. Numa evidente manobra para reduzir a força disciplinar do código, o relator Paulo Piau (PMDB-MG) retirou do texto o artigo que condicionava o crédito à regularização.

No que depender da facção vitoriosa, até mesmo o Código Florestal que aprovou para si ficaria fadado a "não pegar". O descumprimento do acordo no Senado deve levar a vetos de Dilma Rousseff, que, ainda candidata, se comprometera a expurgar qualquer "anistia".

Ao contemplar ainda mais os interesses de proprietários rurais, o novo código nasce velho e relega a proteção do ambiente brasileiro. Não foi desta vez, ainda, que o país conseguiu decidir o quanto de patrimônio natural e legal quer deixar para futuras gerações.

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