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Marina Silva

Aridez do descaso

O semiárido nordestino vive a pior seca dos últimos 30 anos. Cerca de 90% da região sofre com a estiagem, que tem se agravado desde outubro de 2011 e já afeta 26 milhões de pessoas em oito Estados.

As previsões são desanimadoras: a situação pode persistir até outubro. O governo anunciou a transferência de R$ 2,6 bilhões para o socorro emergencial das áreas atingidas. Mas, na batalha contra o sofrimento da seca, a história nos mostra que o martírio não precisava ser tanto e que já poderia ter chegado ao fim.

Por incrível que pareça, a água salvadora vem, ainda que errática. Está lá, ainda que escondida. As secas no sertão nordestino são conhecidas desde o século 16. São um fenômeno natural, mas a ausência de soluções duradouras é um problema político que perpassa governo após governo.

É possível enfrentar a escassez com projetos simples de captação, distribuição e melhorias no aproveitamento da água e do solo, dizem os especialistas. Tecnologias difundidas pela Articulação no Semiárido (ASA), com o uso de cisternas rurais, barragens subterrâneas, barreiros, trincheiras e sistemas agroecológicos podem equacionar o desafio.

Investimentos em prevenção custam menos. A "indústria da seca" -termo surgido nos anos 50- sugou uma montanha de recursos preciosos como a água que o sertanejo tanto espera. Desde então, surgiram CPIs para investigar o que a velha política de conveniência consentia que fosse "investigado", como ensaia ser a CPI do Cachoeira.

Além disso, obras inadequadas são tão deletérias quanto a ausência das necessárias. O que dizer da transposição do rio São Francisco? Segundo o especialista em hidrologia do semiárido João Suassuna, os projetos do Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Água mostram que é possível, com menos da metade dos recursos previstos na transposição -cerca de R$ 8 bilhões-, beneficiar um número maior de pessoas.

O país paga um preço muito alto não pelos problemas, que são naturais, mas pela falta de planejamento. O rio Negro, no Amazonas, vive a maior enchente dos últimos 104 anos, desabrigando milhares de pessoas. Fenômenos diferentes, tratamento igual.

É assim com os problemas da seca no Sul e com as enchentes nas cidades.

Para a caatinga, a desertificação é um risco real. A floresta amazônica, que parece forte, ergue-se sobre um solo de fácil degradação. Quem pensa que os destinos dos diferentes biomas não estão interligados tende a achar que tudo se resolve com as disputas de governos locais por verbas.

O drama pode aumentar.

É preciso agir com responsabilidade e sentido de urgência para colocar em ação mais do que obras emergenciais.

MARINA SILVA escreve às sextas-feiras nesta coluna.

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