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Rogerio Amato

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Lições de administração com um poeta

Com o pretexto de defender o consumidor, exigências como informar a hora das entregas ou pôr os remédios atrás do balcão oneram as empresas

Li recentemente um artigo interessante do poeta russo nascido na Geórgia Vladimir Maiakovski.

Ele dizia: "Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor, e não dizemos nada. Na segunda noite, eles já não se escondem. Pisam nas flores e matam o nosso cão, e não dizemos nada. Até que, um dia, o mais franzino deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada".

Essa citação parece se aplicar ao período já bastante longo que vivemos no Brasil. Com o pretexto da defesa do consumidor, interfere-se cada vez mais na atividade das empresas, reduzindo a flexibilidade operacional e impondo custos que serão pagos pelos próprios consumidores.

A todo momento surgem medidas dessa natureza, em decorrência de legislações federais, estaduais e municipais e também de intervenções das agências reguladoras.

Como exemplo, há a lei que determina que o varejo informe o período de entrega dos produtos nas residências, sob pena de multa.

Isso, em uma cidade com o trânsito tumultuado como São Paulo, representa riscos para as empresas e maiores custos pela necessidade de aumento da frota -enquanto isso, a municipalidade restringe o horário de circulação de veículos na cidade.

Há ainda, entre muitas outras normas, a determinação da Anvisa para que os remédios de uso corrente somente sejam vendidos pelo atendente e não mais fiquem à disposição dos clientes.

Existem argumentos para se justificar tais medidas, mas devemos lembrar sempre a lição de Milton Friedman: "Não existe almoço grátis". Assim, sempre que se pensar em aumentar benefícios para o consumidor, é preciso avaliar se quem vai pagar a conta não é a população inteira, inclusive aqueles que não foram beneficiados pela medida.

Proibições e restrições inviabilizam ou dificultam atividades legítimas, acarretando pesados ônus para algumas categorias econômicas. O agronegócio está ameaçado por riscos regulatórios, frutos de pressões externas que não parecem atender aos interesses nacionais.

A cada dia novas exigências burocráticas são feitas, sem considerar os custos que acarretam às empresas, que são acrescidos dos riscos de pesadas multas no caso de erros ou omissões, além das restrições a que ficam sujeitas para desenvolver suas atividades quando são fornecedoras do setor público.

Tais multas, com valores extremamente elevados, e restrições podem inviabilizar o funcionamento ou mesmo a sobrevivência da empresa. Até para encerrar um empreendimento há burocracia.

Não bastasse a carga tributária extremamente elevada, os contribuintes convivem com a complexidade das regras e a instabilidade da legislação, sendo afetados, inclusive, por divergências entre os próprios órgãos fiscais.

A área cinzenta em relação à tributação de alguns serviços acaba expondo contribuintes à dupla tributação ou a multas por uma das partes, embora tenham pago à outra.

De qualquer forma, as empresas são atingidas pela falta de consistência da legislação tributária, restando a elas o recurso à Justiça, que, muitas vezes, exige depósitos prévios e, em geral, demora em decidir, sem falar na penhora on-line.

Maiakovski resumia a preocupação: "Você não pode deixar ninguém invadir o seu jardim para não correr o risco de ter a casa arrombada".

Estamos participando, com representantes dos fiscos municipal, estadual e federal, de estudos para não apenas atacar a burocracia, mas questionar a efetiva necessidade de qualquer nova exigência e procurar a integração dos demonstrativos prestados aos três níveis de governo.

Sabemos que é pouco em relação aos desafios enfrentados pelas empresas e pela população, mas temos a confiança de que tal passo será seguido por muitas outras iniciativas.

ROGERIO AMATO, 63, é presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação
das Associações Comerciais do Estado de São
Paulo (Facesp)

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