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Deficit de ousadia

Ministro Mantega só repete fórmula gasta do estímulo ao consumo; cabe à presidente projetar modelo calcado em investimento e produtividade

O governo Dilma Rousseff, alarmado com as projeções desanimadoras para o crescimento do PIB neste ano e a deterioração célere da economia internacional com a crise europeia, baixou um novo -e decepcionante- pacote de estímulo ao consumo.

O repertório do ministro da Fazenda, Guido Mantega, parece esgotar-se na receita já aplicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008: corte de imposto para a indústria automobilística, na esperança de ver os preços baixarem, e medidas para baratear o crédito, sobretudo para compra de automóveis, mas também de máquinas e equipamentos.

A ênfase na cadeia automotiva é correta, numa emergência. Nenhuma outra, pelo porte da rede de fornecedores, poderia obter impacto comparável. Mas seu efeito previsível se resumirá à desova de estoques -cerca de 360 mil unidades- e a evitar demissões.

A situação da economia brasileira é diversa da de quatro anos atrás. O limite de endividamento das famílias já parece próximo de ser alcançado, o que restringe a margem para estímulos pela via do crédito e do consumo.

A alternativa seria aumentar a taxa de investimento público e privado, hoje em redor de 19% do PIB. Mas isso não será alcançado sem enfrentar barreiras estruturais que o pacote nem chega a roçar: gastos estatais e carga tributária.

A expectativa de passos mais decididos do governo havia sido avivada por iniciativas recentes de Dilma Rousseff. Por exemplo, o desarme da bomba das aposentadorias dos funcionários públicos, com a aprovação pelo Congresso do teto de benefícios vigente no setor privado para os novos servidores.

A política monetária do Banco Central, afinado com o Planalto, também sinaliza maior iniciativa. A queda dos juros básicos proporciona um alívio importante para as contas do governo federal. Permite redução contínua das despesas com a dívida pública e abre oportunidade única para reduzir a carga tributária, em geral, e não só de uns poucos setores.

A exorbitante taxa de juros que remunera a dívida pública brasileira ficou próxima de 16% no ano passado (ou 9,5% em termos reais, descontada a inflação anual de 6,5%). É uma excentricidade diante dos padrões internacionais.

Países muito mais endividados pagam juros reais perto de zero (como EUA e Reino Unido). Na América Latina, a proporção média desses gastos anuais é de 2,6% do PIB.

O governo federal gastou 5,7% do PIB com juros em 2011, a maior rubrica depois do INSS (6,8% do PIB). Haveria condições no Brasil, assim, para economizar até 3% do PIB ao ano. Essa diferença entre o que gastamos e a média latino-americana equivale a quase três vezes o investimento federal em 2011.

A questão central está em usar a reserva obtida com a queda dos juros básicos para cortar os impostos que sobrecarregam a economia e realimentam a espiral de custos inibidora do investimento.

Não é a primeira vez que o governo desperdiça uma oportunidade de melhorar a política de gastos e tributos. O grande aumento de arrecadação proporcionado pela formalização do emprego e pela aceleração do crescimento terminou convertido em novas despesas.

Está na hora de conceber uma estratégia de maior fôlego e austeridade, por impopular que seja ou venha a parecer. A inédita aprovação da presidente, ora reforçada pela investida contra os extorsivos juros ao consumidor, deve ser capitalizada para tal esforço.

Um primeiro passo é a contenção efetiva de gastos correntes, para evitar que a economia obtida com os juros seja vaporizada. Isso dará segurança ao governo para fixar uma trajetória de desoneração tributária mais abrangente e de longo prazo.

O objetivo poderia ser diminuir a carga tributária de cerca de 35% para 30% do PIB em dez anos, por exemplo. A melhor forma de chegar a isso é impor um limite legal para o crescimento das despesas.

Cabe ainda retomar a proposta ventilada no governo Lula de limitar o aumento da folha de salários em 1,5% ao ano acima da inflação. E, também, rever a regra atual de aumento do salário mínimo.

No geral, trata-se de fazer os gastos crescerem menos que o PIB. É imperioso inverter o padrão perdulário dos últimos 20 anos, que drenava todos os ganhos para o poço sem fundo da máquina estatal.

Com o alinhamento correto das contas públicas, restaria enfrentar o que mais importa: aumentar a taxa de investimento, reformar a infraestrutura (estradas, portos, aeroportos e energia) e abrir espaço no Orçamento para um choque de qualidade em educação e saúde.

Seriam essas as bases para lançar um novo ciclo de crescimento, movido por ganhos de produtividade, mais sólido que o modelo lastreado só em consumo interno e preços elevados das commodities, cujos limites estão à vista.

Falta ousadia ao governo Dilma.

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