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Flora Thomson-Deveaux

TENDÊNCIAS/DEBATES

A sensibilidade dos brasileiros

Por que a opinião estrangeira importa tanto? Se eu elogio ou tenho interesse pela cultura local, o brasileiro não acredita. Se critico, porém, ele se ofende

Quando a Folha pediu que eu escrevesse minhas impressões dos brasileiros, resignei-me como se estivesse diante de um déjà vu. Não era a primeira vez, e certamente não será a última, que os brasileiros perguntam o que acho deles.

Mas antes que eu abra a minha boca, a primeira coisa que me passa pela cabeça é sempre outra questão: por que vocês se importam com o que eu penso?

Ao longo do tempo que passei no Brasil, sempre que eu falava de minha pesquisa, sentia uma incompreensão mútua.

Os cariocas pareciam confusos, perguntando-se por que diabos eu viera até o Brasil para estudar a música popular do Rio dos anos 1920 e 1930 e por que alguém estudava espanhol e português numa universidade americana.

Eu sempre devolvi o ceticismo com igual vigor. Por que, afinal, todo mundo não estava estudando o Brasil? Por que as livrarias têm uma seção tão pequena de "literatura brasileira", a propósito? Nada disso fazia sentido para mim.

Achava estranha a reação dos brasileiros após elogios à sua cultura.

Quando eu dizia que amava Clarice ou que viera para pesquisar Chico Alves, eu me convertia numa fonte incomum de alegria e surpresa.

"Essa americana veio para estudar Noel Rosa!", berrou um estranho num bar em Copacabana, e uma pequena multidão se juntou para olhar e inquirir.

É como se, no fundo, as pessoas não acreditassem que o Brasil é suficientemente interessante para merecer um estudo sério.

Minha curiosidade funcionava como uma bênção vinda das alturas, lembrando que a cultura brasileira era parte do cânon universal.

"Em Princeton há aulas de literatura brasileira?" Claro que sim! Eu tomo um curso de Machado de Assis no próximo semestre.

Por outro lado, quando eu me sentia ousada o bastante para dizer que não tinha gostado de algo do Brasil, a reação podia ser desmedida.

De novo, minha opinião raramente era tomada como algo ordinário. Imediatamente, informavam-me que eu não tinha a menor ideia daquilo sobre o que estava falando, e que tampouco tinha o direito de julgar as coisas do Brasil.

Ou então as pessoas recuavam e diziam que eu estava certa, e que tal coisa ou tal pessoa eram de fato terríveis e simbolizavam exatamente o que ia mal no Brasil -e que, aliás, "precisávamos de estrangeiros que viessem aqui e nos contassem dos nossos próprios problemas".

Não sou ingênua a ponto de pensar que o que querem é meu veredito final sobre o país. Mas estranhamente essa é a sensação.

De repente, não sou uma estudante de 20 anos que tem um blog; sou uma representante inequívoca da cultura ocidental, da elite universitária americana ou algo que o valha.

Minha opinião, ainda que evidentemente subjetiva, adquire um valor que eu mesma não compreendo. Que importa se gosto de Noel ou se detesto Roberto Carlos? Minha opinião não muda nada.

Quando discuto o Brasil com os brasileiros, frequentemente tenho a sensação de que estou falando com um amigo maravilhoso, inteligente e talentoso, mas com uma misteriosa falta de autoestima.

Ele não aceita totalmente os elogios que lhe faço, e é tão sensível que é quase impossível criticá-lo sem feri-lo. Estaríamos diante do velho complexo de vira-lata?

O outro extremo -o patriotismo cheio de si que tantos americanos acham a coisa mais natural do mundo quando se trata de seu próprio país- é igualmente desagradável. Mas não haverá meio-termo?

Sinceramente, eu gostaria de poder discutir o Brasil sem que metade do bar comece a brigar em torno de mim.

FLORA THOMSON-DEVEAUX, 20, estuda português e espanhol na Universidade de Princeton. Passou seis meses no Rio estudando música carioca e escrevendo o blog "Questões Estrangeiras" para a revista "Piauí"

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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