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Carlos Heitor Cony

Emoções

RIO DE JANEIRO - Nada a ver com o sucesso homônimo do Roberto Carlos. Mas emoções existem, sempre existiram, nem a idade nem o controle interior que adquirimos à custa das porradas da vida conseguem riscá-las dentro da gente.

Outro dia, escrevi sobre o que senti no Marco Zero, em Nova York.

Esperava tudo, menos emocionar-me. Confiava na casca dura que criei para evitar momentos bregas que me apanham desprevenido.

Outro dia também, sem querer, revi "A Doce Vida", de 1960. Já arquivara o sucesso de Fellini como obra datada, e foi justamente isto, obra datada, que me emocionou. Não o filme em si, que mal prestei atenção nele, mas nos amigos que, como eu, gostaram de determinadas cenas e que me voltaram, intactos, das sombras iluminadas da memória.

A namorada que sentia vontade de voar quando ouvia o tema musical de Nino Rota. O Jorge Zahar, com aquela voz e aquela risada, adorava o momento em que, depois de uma bacanal, os personagens se retiram um a um e Marcello Mastroianni anuncia: "Adesso, gran finale con avvocato" (fiz uma crônica com esse título, dedicada ao Jorge).

Por falar no Jorge, o Jorge propriamente dito, com a sua ternura levantina, metade pai, metade irmão, almoçávamos juntos, o Ênio Silveira, o Paulo Francis -o mundo não só ficou menor, ficou mais inútil.

Emoção também na recente crônica do Ruy Castro sobre a morte do Pery Ribeiro. A última vez que estive com o filho do Herivelto e da Dalva de Oliveira foi num aniversário do Ruy. E aí veio a emoção recorrente: "O meu perdão nada custa, falando a palavra justa, há muito te perdoei...".

Doce vida. Emoções. Para compensar tanta e tamanha breguice, a penitência foi reler os ver-sos dos "Cantos Pisanos", do Ezra Pound: "tempus tacendi, tempus loquendi".

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