Índice geral Opinião
Opinião
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Ruy Castro

Com outra cidade por cima

RIO DE JANEIRO - Um muro de pedra, feito com argamassa de cal e conchas, e uma moeda de cobre datada de 1700, além de mais de 500 cacos de louça, azulejos e cerâmica, talvez também do século 18, foram encontrados numa escavação no Leblon, a poucos quarteirões aqui de casa. Não foi um acaso. Profissionais comandaram a busca, já suspeitando da presença de um sítio arqueológico na região.

O Leblon levou a vida sendo ignorado, enquanto o Rio namorava Copacabana e Ipanema. Mas, na verdade, é mais velho do que seus vizinhos de beira-mar. Os antigos chegavam a ele pelo mar, claro, e pela Gávea, com a qual se confundia, muito antes que, no século 19, o francês Charles Le Blond -o Louro- iniciasse a nossa colonização. Aposto que, se seguirem escavando para as minhas bandas, vamos descobrir balas de canhão, brincos de piratas e colares de escravos, além de panelas, garfos e outros apetrechos de cozinha, antecipando a vocação do bairro para a culinária.

Outros sítios arqueológicos têm sido encontrados em escavações na zona portuária, na praça Mauá e demais pontos do centro do Rio onde a história se deu há 200 ou 300 anos. O que me intriga é que esses fragmentos do passado profundo estejam sempre a alguns metros abaixo do nosso piso atual -como se as cidades consistissem de camadas que fossem se superpondo.

Já visitei sítios parecidos em Lisboa, Roma, Paris, e, em todos, dois ou três metros abaixo do nível da rua, revelam-se as paredes de uma cidade que ali existia, com seus governantes, juristas, poetas, artesãos e comerciantes, e que se julgava tão completa, definitiva e imortal quanto as nossas. Reduziram-se a buracos no chão, xeretados por turistas.

Eu me pergunto se, em 200 ou 300 anos, nós, do hoje orgulhoso Leblon, também não seremos um buraco no chão, com outra cidade por cima.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.