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Carlos A. C. Lemos

TENDÊNCIAS/DEBATES

Copan em perigo

Blocos de pastilhas que caem podem ferir quem passa pela rua. Não faz sentido limitar a publicidade na tela que cobre a fachada durante a reforma

Nós que moramos em apartamentos sabemos bem das dificuldades da manutenção dos edifícios, sobretudo se forem construções antigas, a exigir permanentes trocas e atualizações de equipamentos depauperados pelo tempo.

É constante a ocupação dos síndicos em equilibrar orçamentos face aos gastos dos trabalhos de preservação da integridade original da obra. Essa operação exige a cooperação ampla dos condôminos, cujas posses sempre estão nos limites de seus gastos, de modo que unicamente as despesas emergenciais é que, a duras penas, são aceitas pela comunidade, como gastos com elevadores, com colunas de esgoto, com infiltrações etc.

A obsolescência da edificação também pode se manifestar no seu revestimento. Não há danos maiores aos seus ocupantes, mas ele pode ofender estranhos à sua volta, como os pedestres que transitam nas proximidades.

É o caso do Copan, cujos blocos de pastilhas cadentes chegam, volta e meia, a ferir os incautos que entram ou saem de suas galerias. De um dia para o outro, essa ocorrência agressiva surgiu, mostrando uma espécie de cansaço dos materiais.

Pudera, aquela revestidura de porcelana lá está há mais de 50 anos sofrendo a ação do sol e da chuva, do quente e do frio repentino e, também, da oxidação do ferro do concreto armado das abas horizontais que caracterizam a fachada.

Ali, a ferrugem provoca a fragmentação da massa de revestimento, que pode cair de altura até de cem metros. Há urgência das providências relativas à troca do material agonizante por outro similar que recupere a alvura original.

Isso, porém, custa muito caro ao condomínio, vários milhões de reais, havendo a necessidade de um patrocínio via publicidade aposta em suas fachadas, como é comum na Europa no caso de salvaguarda de monumentos.

A Prefeitura de São Paulo, através da conhecida Lei da Cidade Limpa, conforme decreto regulamentador do seu artigo 50, permite publicidade justaposta à tela translúcida recobrindo edifícios tombados, ou em processo de tombamento, contanto que ela não ultrapasse 10 % da superfície da fachada. A nosso ver, no entanto, não deveria ser estipulada porcentagem alguma.

Aquela limitação da área de propaganda não passa de atitude resultante de pruridos esteticistas inoportunos. Porque estabelecer limites em situações efêmeras como essa, em que o tempo é limitado pela duração das obras?

Os milhões de reais ali envolvidos poderiam perfeitamente ser distribuídos entre mais de um anunciante, já que a extensão da fachada é descomunal.

Neste instante, lembramo-nos da publicidade nas camisas dos jogadores profissionais de futebol. Ali comparecem, lado a lado, logotipos e nomes de variados promotores, só faltando serem ocupados os espaços embaixo das axilas, que ficariam liberados nos momentos gloriosos das comemorações do gol de letra.

O síndico do Copan, o senhor Affonso Celso de Oliveira, agora com a vigência da citada regulamentação do artigo 50 da lei 14.223, de 26 de setembro de 2006, em busca de patrocínio, tem enfrentado indiferenças paquidérmicas da massa insensível aos problemas do nosso patrimônio ambiental urbano. Grandes quantias assustam -daí, a ideia da fragmentação do patrocínio único.

Todavia, sou tentado a sugerir um só patrocínio, uma camisa limpa com um só logotipo: a marca rubra do Bradesco, pois o altruísmo já demonstrado por esse banco não iria deixar que seja esquecido o edifício que ele incorporou nos anos 1960.

Como diria o nosso amigo Amador Aguiar, homem simples do interior com quem almoçávamos às quintas-feiras durante a construção da agência Ipiranga, o banco, sem pestanejar, "cuidaria de sua cria" quando ela estivesse mal.

CARLOS ALBERTO CERQUEIRA LEMOS, 87, arquiteto, é professor de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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