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Conservar e crescer

Com pouco a apresentar na Rio+20, governo Dilma mostra que o país caminha longe do que poderia ser uma economia verde

Começam nesta semana os eventos paralelos da Rio+20, reunião de cúpula sobre o ambiente mundial que reunirá uma centena de chefes de Estado e governo entre os dias 20 e 22, no Rio de Janeiro.

O governo Dilma Rousseff se esforça para exibir credenciais verdes na véspera da conferência, mas não chega a ser convincente.

A maior crítica ao Planalto é a falta de liderança para tornar a Rio+20 um sucesso. O Itamaraty se esmera em garantir um evento sem solavancos logísticos e diplomáticos, o que é bom -mas pouco.

A conferência não produzirá tratados marcantes como as convenções sobre mudança do clima e biodiversidade adotadas na Eco-92, duas décadas atrás. O documento final será provavelmente uma declaração anódina sobre economia verde, mais um slogan que preocupação real de governos e empresas.

A presidente não é a única responsável por isso, certo. Há quem veja nas reverberações da crise financeira de 2008/09 o prenúncio de uma depressão mundial, como a da década de 1930. Tal atmosfera não favorece a propagação da pauta ambiental no âmbito da produção, a não ser nos raros casos em que seus custos são inferiores, no curto prazo, aos da inação.

Não saiu caro para Dilma Rousseff costurar os retalhos de um novo Código Florestal, no figurino da medida provisória cosida com vetos à lei desequilibrada aprovada no Congresso. Serviu para tingir de verde sua imagem, a dias da cúpula, e a multidão de estrangeiros no Rio terá dificuldade para entender como se deslindará o novelo com centenas de emendas que a bancada ruralista atou ao pacote.

O Planalto também exibiu com orgulho a menor taxa anual de desmatamento na Amazônia em quase um quarto de século: 6.418 km² (2010/2011). Uma façanha, mas não de Dilma, que contava só seis meses de governo quando a última imagem de satélite foi registrada. Colhe-se, na realidade, o fruto de uma política consistente de repressão ao desmate iniciada ainda na gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente (2003-2008). Ou seja, ao tempo em que a atual presidente lhe opunha resistência, primeiro na pasta das Minas e Energia, depois na Casa Civil.

Pesaram, também, a baixa nos preços internacionais de commodities agrícolas, como a soja, e uma espécie de trégua na abertura de áreas por proprietários rurais, na expectativa de um novo código.

No mais, há pouco a comemorar na cifra recorde, além da formidável redução da taxa anual. A área devastada corresponde ao quádruplo da superfície do município de São Paulo, onde vivem 11 milhões de pessoas. E, como assinalou o engenheiro florestal Paulo Barreto na Folha, meio bilhão de árvores foi destruído em 12 meses.

Dilma anunciou, ainda, a criação das duas primeiras unidades de conservação de seu governo, combinada com a ampliação de outras três. Localizadas todas fora da região amazônica, somam 450 km²; na era Lula, o total havia sido de 264 mil km² (quatro quintos disso em seu primeiro mandato).

A presidente também homologou, agora, 9.500 km² de terras indígenas, que contribuem para a preservação de matas. Nesse caso, não se trata de ato discricionário do Poder Executivo em favor do ambiente, mas do reconhecimento administrativo -assegurado na Constituição- de um direito ancestral, e sobre áreas já demarcadas.

O front fundiário, de resto, é o setor em que as administrações petistas menos progrediram. Criado em 2009, mal andou o programa de regularização Terra Legal. A iniciativa almejava dar títulos para estimadas 230 mil posses em áreas da União na Amazônia, de maneira a legalizá-las e permitir cobrar dos ocupantes o respeito a normas ambientais.

Segundo o jornal "Valor Econômico", apenas 2.334 títulos definitivos foram emitidos. Da meta de identificar e regularizar 490 mil km² (duas vezes a área do Estado de São Paulo), somente 73 mil km² e 37,5 mil ocupações se acham efetivamente mapeados.

A Amazônia ainda é um território livre para grileiros e madeireiros ilegais. São eles os elos iniciais da cadeia de devastação ora adormecida, mas pronta para entrar em ação ao primeiro sinal de um Código Florestal enfraquecido (na letra ou na aplicação), ou de alta nas cotações de commodities.

Todo o debate sobre o código, a começar por sua polarização, evidencia que uma parte significativa do setor produtivo brasileiro -e uma maioria barulhenta do Congresso- caminha longe do que poderia ser uma economia verde.

A própria presidente da República, com sua formação de tecnocrata no setor elétrico, prefere apontar os defeitos e custos imediatos da energia eólica, por exemplo, a destacar suas vantagens e seu potencial alternativo estratégico.

Sob essa ótica, até mesmo a tríade que a diplomacia de Dilma se desdobra por fazer prevalecer na Rio+20 -crescer, incluir, conservar- se revela mais como hierarquia: aumentar o bolo do PIB, distribuir melhor as fatias e, se possível, não fazer estrago irrecuperável no ambiente. A divergência, se tanto, com os países mais desenvolvidos, residiria na preferência destes por uma ordem alterada: crescer, conservar, incluir.

Uma economia verde, no entanto, implicaria uma inversão quase utópica de valores, para a qual nem o governo Dilma nem qualquer outro sobre a Terra parece, ou poderia estar, preparado: conservar, incluir, crescer.

Quem sabe numa Rio+40.

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