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Joaquim Levy

TENDÊNCIAS/DEBATES

O novo velho continente

A Grécia tem sido uma grande distração. Sua participação no euro não é essencial. A Europa poderá se recuperar se souber usar seu bom capital humano

Ficou evidente que o problema imediato da zona do euro é de estabilidade financeira e não fiscal. A crise chegou aonde chegou em parte porque, seguindo o modelo alemão, o Banco Central Europeu (BCE) não tem poderes de supervisão e não há uma autoridade supervisora financeira única para a região.

Infelizmente, a Grécia tem sido uma grande distração, já que sua participação no euro não era nem é essencial, como indica a ausência da Europa Central e Balcãs na moeda única, sem prejuízo da sua integração na União Europeia.

A principal consequência da saída da Grécia será uma longa negociação com os principais detentores da sua dívida, hoje as autoridades europeias, para seu perdão parcial.

O programa do FMI aponta para a desvalorização, já que ele se restringe a uma redução dos salários e das compras do setor público, sem catalisar um ajuste estrutural da economia ou uma redução das transferências correntes, apesar dessas terem aumentado em mais de 3% do PIB nos anos anteriores à crise e em outros dois desde então.

No programa, cinco pontos do PIB de aperto nas contas públicas necessários para a dívida começar a cair estão indicados apenas como "medidas fiscais a serem definidas" a partir de 2013, o que induz um papel para a inflação.

As privatizações discutidas em 2010 não avançaram e serão cada vez mais difíceis com a economia paralisada. Elas tampouco seriam suficientes, porque a reestruturação da economia provavelmente envolve reformar o atual sistema baseado em empresas familiares, em favor de grandes empresas. Isso encontra resistências também na classe média e entre os conservadores.

Aproveitando a frase de Churchill, a saída da Grécia não deve ser o fim do euro, ou mesmo o começo do seu fim, mas provavelmente o fim do começo da moeda.

O risco de contágio de Portugal é limitado, e a Espanha mostra como a crise financeira pode solapar o melhor ajuste fiscal. Gastar € 60 bilhões para limpar as caixas terá mérito se ajudar a relançar a economia. Afinal, a perda de PIB desde o tombo de 3,7% em 2009 já está em € 100 bilhões, pressionando transferências sociais e arrecadação.

Evidentemente, a Alemanha continua indispensável para que essas ações permitam à região virar a página, progredir na desalavancagem financeira e criar um novo futuro.

Esse futuro dependerá cada vez mais da inovação. Abre-se a oportunidade para reorientar a economia do consumo entre as décadas de 1980 e 2000 para a da sustentabilidade com população minguante.

Essa mudança exigirá imaginação e coordenação, mas não é impossível. Se bem articulada, tranquilizará os mercados financeiros e dará capacidade política aos governos, inclusive em face aos desafios fiscais.

Um exemplo dessas possibilidades é o projeto alemão de instalar 50 gigawatts de energia solar até 2022 (dois terços do parque hidroelétrico brasileiro ou instalar cinco usinas de Belo Monte), diminuindo, entre outras coisas, a vulnerabilidade ao petróleo importado.

Iniciativas assim, nem todas intensivas em capital, poderiam dar ânimo e maior produtividade à economia, sem criar um dreno fiscal, se executadas em parceria com o setor privado e usando o diferencial de capital humano do continente.

Quando se pensa nessas alternativas para a superação da crise, sem pretender que ela se dará sem sacrifícios, entende-se a pressão do BCE para que os governos se coordenem para enfrentar logo a questão bancária e tracem um plano de médio prazo que alinhe expectativas que ajudem a lidar com os problemas atuais.

JOAQUIM LEVY, 51, engenheiro e doutor em economia, é diretor-superintendente da administradora de investimentos Bradesco Asset Management. Foi secretário do Tesouro (2003-2006, governo Lula) e secretário de Fazenda do RJ (2007-2010, Cabral)

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