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Kleber Luiz Zanchim e Paulo Dóron Rehder de Araujo Viver na rua não é viver em liberdade Albergues não são perfeitos, mas dão o morador de rua o mínimo de disciplina, o banho, recordando regras elementares sobre o convívio em sociedade
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio, A estrofe de "Mocidade e Morte", de Castro Alves, é nosso agradecimento a Mauricio Antonio Ribeiro Lopes por ter mantido aceso o debate sobre a questão dos moradores de rua do centro de São Paulo ("Ao próximo, o largo", de 28/06). Considerada a expectativa de vida do brasileiro, também o doutor Maurício não passa de um jovem senhor de cinquenta anos. E o vigor de suas palavras revela energia jovial para lutar pela solução de problemas complexos como este. Por cinco décadas, é provável que ele tenha acordado todos os dias e se levantado da cama para viver em favor de si mesmo, de alguém ou de uma causa. O amanhã aparecia luminoso diante de seus olhos, incentivando-o a moldar seu presente e seu futuro. Essa é uma das grandes diferenças entre ele e os abandonados das vias públicas, inclusive os do largo de São Francisco. Para eles, o horizonte é estreito. O amanhã, sombrio. Falta-lhes exatamente o estímulo para construir sua própria dignidade como cidadãos: a expectativa de um dia melhor. Nesse cenário, temos de discordar: a rua não é "liberdade total", como escreveu o doutor Maurício. Primeiro, porque nela há regras, sendo uma a de que ninguém pode se apropriar do espaço público, por qualquer que seja a forma. Segundo, porque o morador de rua está aprisionado no seu anonimato e na falta de esperança. Ao contrário de Ribeiro Lopes ou de nós, esse indivíduo não consegue projetar o porvir, pois as carências são tantas que lhe importa apenas o agora. A insanidade mental e as drogas são válvulas de escape para suportar o não, o nada, o nunca. Se os albergues não são perfeitos, são ao menos uma porta de entrada no sistema de assistência social. Eles expõem o indivíduo ao mínimo de disciplina, que é o banho, recordando-o de regras elementares sobre o convívio em sociedade. Disciplina, sim, é liberdade, como lembrou um músico famoso da época em que o doutor Maurício era um jovem doutor. Podemos cobrar melhorias nas iniciativas da Prefeitura, mas não podemos negar que elas são parte importante do que temos disponível para enfrentar o problema. Para se ter ideia, não fossem as tendas de atendimento instaladas no centro, mais de duas toneladas de fezes estariam nas ruas, exigindo ainda mais água para limpar a sujeira. Temos debatido com os órgãos públicos um espaço de capacitação desses desamparados para o trabalho, em parte financiado pela iniciativa privada. Mapeamos dezenas de vagas que poderiam absorvê-los em funções de baixa complexidade, restaurando paulatinamente seu valor como pessoas produtivas e donas do curso da sua história. Para tanto, precisamos induzi-los a sair da jaula moral e psicológica da rua, o que depende da desarticulação de tudo o que acaba por acorrentá-los aos vícios e ao ócio. Maurício sabe há mais tempo que nós que a Faculdade de Direito é a "velha e sempre nova academia". O sincretismo entre o antigo e o moderno sempre marcaram a trajetória das arcadas, uma escola de vida. Acreditamos que nossa mocidade possa ser compensada pela novel senioridade do douto promotor. Indicamos acima o nosso projeto. Que o doutor Maurício exponha à sociedade paulistana qual é o dele. Saudações franciscanas. - Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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