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A última sessão

Evidências de promiscuidade e conduta inadequada bastam para que o Senado condene Demóstenes Torres, hoje, em julgamento político

Desfrutasse ainda da fama de paladino da ética, que cultivou ao longo de sua atuação no Legislativo, Demóstenes Torres poderia irromper hoje no recinto do Senado pronto a estrelar mais um espetáculo de defesa do decoro parlamentar.

De dedo em riste e semblante grave, poderia expressar toda sua repulsa a um colega que, tendo posado por anos de guardião da moralidade pública, mantinha, à sombra, ligações promíscuas com um empresário preso sob acusação de exploração ilegal do jogo -e que se tornou alvo de uma ruidosa CPI.

Infelizmente, para Demóstenes, esse show reservou-lhe a incômoda posição de réu. E, a julgar pelo Conselho de Ética, que aprovou por unanimidade a supressão de seu mandato, esta deverá ser a sua última sessão no Senado.

Não há, ressalte-se, nenhuma decisão judicial a condenar o ex-líder do DEM -ao menos por ora. Trata-se, no Senado, de um julgamento político. O que está em questão é se as atitudes do senador podem ser consideradas compatíveis com as normas que regem o comportamento dos membros do Legislativo.

Os indícios de conduta inadequada são claros -e as tentativas de explicação, constrangedoras.

Demóstenes, por exemplo, alertou o referido empresário do jogo, Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, sobre possível operação policial que poderia prejudicá-lo. Teria sido, contudo, segundo declarou, apenas um "teste" para confirmar se o acusado de contravenção abandonara, como alegou, atividades consideradas ilegais.

O senador também recebeu de presente, do mesmo personagem, um rádio-telefone -que estaria protegido de grampos- para facilitar a comunicação entre os dois. "Foi um erro", admitiu. "Mas não é crime receber o rádio", sofismou.

Em sua defesa, Demóstenes afirmou ser apenas um mito a ideia de que mentiras proferidas na tribuna são um sinal de quebra de decoro. O Conselho de Ética, entretanto, apontou indícios mais palpáveis do que inverdades. O relatório menciona a obtenção de vantagens indevidas e a existência de irregularidades graves cometidas pelo antigo defensor dos bons costumes.

Para o relator do conselho, Humberto Costa (PT-PE), Demóstenes Torres agia como um "despachante de luxo" de Cachoeira. O senador é acusado ainda, pelo Ministério Público Federal, de ter recebido R$ 3,1 milhões do empresário.

Em enquete realizada por esta Folha, 52 senadores declararam-se favoráveis à cassação do mandato -11 a mais que o mínimo necessário.

A dúvida é se, sob a proteção do voto secreto, o placar se confirmará. É de esperar que sim, e que prospere o projeto de abolir o voto secreto no Legislativo. Que seja esta a última votação a ser decidida sob o inaceitável manto do anonimato.

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