Ruy Castro

Papo com a estátua

RIO DE JANEIRO - Os que moram de frente para ele, na avenida Atlântica, entre Rainha Elizabeth e Júlio de Castilhos, foram os primeiros a observar. Drummond, a estátua, passa o dia com gente sentada ao seu lado, deixando-se fotografar com ele ou roubando seus óculos. Mas há duas pessoas que têm uma relação especial com a estátua.

O primeiro sujeito senta-se no banco, bem cedinho, e bate profundos papos com o poeta. Não se sabe o que fala, mas deve ser importante porque, do outro lado da rua, dá para vê-lo gesticulando, como quem enfatiza um ponto, ou se inclinando sobre Drummond, como que para ouvi-lo melhor. Claro -porque, se ele fala com Drummond, por que Drummond não falaria com ele?

O outro íntimo do poeta chega ao anoitecer, quando o pôr do sol provoca uma queda na temperatura. Nosso herói tira o casaco, o suéter ou o que for, e o joga sobre os ombros de Drummond para agasalhá-lo. O mesmo com a chuva. Aos primeiros pingos, abre um guarda-chuva e protege o poeta. E deve sofrer quando chove em outras horas do dia e ele não está ali para cobri-lo.

Tão retraído na vida real, Drummond é a única estátua do Rio que dá essa confiança aos transeuntes. Seus colegas de Copacabana -Dorival Caymmi, no fim do Posto 6; João de Barro (Braguinha), no começo da rua Barata Ribeiro; e Ary Barroso, no Leme- parecem ocupados demais para conversar. E Ibrahim Sued, na entrada do Copacabana Palace, nunca foi de dar bola para qualquer um.

Uma estátua de que sinto falta no Rio é a de Carmen Miranda. Sem Carmen, Ary, Braguinha e Caymmi não seriam quem foram. Nem o samba nem o Carnaval. O Rio, então, nem se fala. Ninguém mais merecedora de uma estátua, e tanto faria que fosse na Cinelândia, na Lapa ou na Urca. Com Carmen, sim, eu bateria papos maravilhosos e, em troca, a protegeria da chuva e do frio.