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Rubens Belfort Jr.

TENDÊNCIAS/DEBATES

Segurança em unidades de saúde

Falhas recentes deixaram uma criança cega, uma morta. É fácil culpar plantonistas, mas não há no SUS hábitos como checklists. Estudantes já aprendem errado

Recentemente, em São Paulo, um recém-nascido foi mais uma vítima da falta de segurança hospitalar.

A instilação ocular de nitrato de prata a 1%, para evitar infecção causada pela gonorreia, foi trocada por solução muito mais forte, causando cegueira irreversível.

Meses atrás, uma criança morreu porque injetaram leite na cânula de infusão endovenosa. Na última semana, um paciente de 88 anos recebeu um pino na perna errada.

Com absurda frequência, pacientes morrem, sofrem lesões sérias e são violentados em unidades de saúde pela falta de segurança. A responsabilidade vai muito além de quem prepara ou aplica o medicamento e do gestor imediato.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, todo ano milhões de pacientes sofrem danos incapacitantes ou morrem pela falta de segurança ao paciente, que também acarreta grandes gastos. No Brasil, a situação vai seguir piorando se não tomarmos medidas efetivas.

As mortes assim são quase sempre silenciosas e muitas nem reconhecidas, mas milhares de vezes mais frequentes que as causadas pelos ruidosos acidentes aéreos.

Existem protocolos e sistemas de segurança que minimizam os riscos. Ao contrário do grande número de hospitais privados que até por marketing procuram essas certificações de segurança e eficiência, raríssimos são os hospitais públicos que as tem.

Por que não se tornam obrigatórias? Não seria ótimo um prefeito ou governador em fim de mandato apresentar o número de hospitais acreditados por organismos independentes em segurança e eficiência?

A ONA (Organização Nacional de Acreditação) é uma das entidades nacionais que desenvolvem um sistema de certificação de segurança. Há também certificações internacionais, como a americana, através da Joint Comission, e a canadense, oferecida pelo Canadian Council for Health Services Accreditation.

Hospitais administrados pela SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) em Taboão da Serra (Hospital Geral de Pirajussara) e Diadema (Hospital Estadual de Diadema) têm o selo de certificação de excelência no atendimento ONA 3 (nível máximo) e foram os primeiros hospitais do SUS a terem também a certificação canadense. O Hospital de Transplantes de São Paulo vai no mesmo caminho. Mas eles são exceções bastante raras, pouquíssimos hospitais públicos seguem o seu exemplo.

Os governantes sabem disso e fogem do SUS, indo aos bunkers da saúde privada. Por que nenhum deles se interna em hospitais públicos?

Continuamos a viver esse caos também nos hospitais de ensino. Neles, cada vez mais sucateados, estudantes de medicina e enfermagem se formam e terminam aprendendo errado, em ambientes onde a segurança dos pacientes não é devidamente priorizada.

As manchetes e mortes são só consequência. Punir o plantonista é o mais fácil, perverso e inócuo.

Procedimentos de diferentes níveis de complexidade podem tornar hospitais mais seguros. Existem muitas práticas de segurança validadas internacionalmente sem custo financeiro algum.

Podemos citar a identificação eficaz de todos dentro do hospital, o controle rigoroso da calibração e manutenção dos equipamentos médicos, a dupla checagem de medicações perigosas, a garantia de normas sanitárias e o controle de infecções.

O checklist é uma prática simples, praticamente sem custo, que segundo a OMS chega a diminuir em um terço os erros cirúrgicos.

A implantação obrigatória da acreditação e de um bom programa de segurança do paciente diminuiria a negligência do sistema.

Aquela criança, agora cega por toda a vida, poderia ter enxergado normalmente. Muitos pacientes poderiam estar vivos, sem sofrimento e também com grande economia. É importante enxergar -e enxergar o que precisa ser feito.

RUBENS BELFORT JR., 65, é professor titular de oftalmologia na Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina

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