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Rudá Ricci

TENDÊNCIAS/DEBATES

A pertinência do Senado

Na prática, são os governadores que negociam questões como dívida ou royalties. O Senado só serviu a interesses particulares, desde sempre. Precisamos dele?

Um senador, segundo levantamento da ONG Transparência Brasil, custa R$ 33,4 milhões anuais aos cofres públicos. Por seu turno, um deputado federal custa R$ 6,6 milhões anuais. São dados que, por si, já remetem à dúvida sobre a existência de duas casas parlamentares.

A justificativa para a existência do Senado é que ele compensaria a discrepância, na Câmara, entre as bancadas de cada Estado, que são, dentro de um piso e um teto de deputados, proporcionais à população.

Ele serviria, portanto, para equilibrar o poder dos Estados. Ocorre que temas afetos ao equilíbrio entre entes federativos, como a guerra fiscal, a reforma tributária, a dívida pública dos Estados com a União ou a partilha dos royalties de commodities extraídos (petróleo e minérios) são na prática negociados diretamente entre governadores e governo federal.

Assim, um dos argumentos centrais que justificariam o sistema bicameral não tem um fundamento democrático e funcional claro em nosso país.

A grande inspiração para a existência de um Senado são os EUA, que no século 18 viviam uma crise de representatividade do sul do país, região em que o índice populacional era baixo (em função da escravidão). A solução formal foi a criação do Senado, equilibrando a representação territorial na casa parlamentar.

O Senado brasileiro, porém, foi criado, escreveu o jurista Dalmo Dallari, para representar as oligarquias rurais brasileiras. Em suas palavras: "O Senado aparece com a Constituição de 1824, e uma das condições para ser senador era ter uma renda anual altíssima, que na ocasião foi expressa em 800 mil réis, uma grande fortuna. (...) Desde o início, o Senado brasileiro foi concebido e foi usado como um reduto dos grandes proprietários."

Desde a sua fundação, portanto, o papel do Senado não foi servir ao equilíbrio de poder entre os entes de Federação, mas sim servir a interesses particulares.

Uma frase proferida pelo ex-senador Demóstenes Torres, momentos antes de sua cassação, mostra que isso pouco mudou: "Os senhores sabem (...) que [se] pessoas aqui na Casa quiserem fazer rolo, espaço há".

O único continente onde o sistema bicameral é mais frequente que o unicameral é o americano. Na Oceania, 85% dos países adotam o sistema unicameral. Na África, 59% dos países adotam este sistema, assim como 57% dos países da Ásia.

No planeta, a cada dois países que adotam o sistema bicameral, outros três países empregam o sistema unicameral. Na Europa, o índice chega a 64% e envolve grande parte dos países nórdicos, que apresentam sabido equilíbrio social e rigidez nos gastos com parlamentares: Suécia, Islândia, Dinamarca, Finlândia.

A Noruega possui um sistema peculiar, onde a câmara única (Storting) é composta por uma divisão (Lagting e Odeisting). A lista envolve ainda Portugal, Nova Zelândia, Israel, Peru, entre outros.

Demóstenes Torres, como se percebe, apesar de ter sido o segundo senador cassado por falta de decoro parlamentar na história de 188 anos do Senado, acabou oferecendo mais um argumento para colocar em dúvida a necessidade da Câmara Alta em nosso país. Seu caso foi, assim, duplamente exemplar.

RUDÁ RICCI, 49, doutor em ciências sociais, é diretor-geral do Instituto Cultiva e autor de "Lulismo" (editora Contraponto/Fundação Astrojildo Pereira)

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