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O todo e as partes

Defesa dos réus do mensalão multiplica objeções a provas na tentativa de minar a coerência da narrativa robusta da acusação

Apesar de suas características singulares, começando pelo efeito inibidor que dele se espera sobre abusos futuros, o julgamento do mensalão tem se mostrado um tanto rotineiro. Pouco do que se disse na primeira semana destoa de comezinhas práticas forenses.

Como em qualquer processo penal, a estratégia da defesa consiste em desqualificar a acusação. Advogados lançam mão de todas as armas a seu dispor, por despropositadas que sejam ou pareçam.

Não causam espécie, assim, os arroubos retóricos dos defensores dos réus. Qualificar a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República como "frágil", "inepta", "fantasmagórica" e "terrorista" é só um estratagema, não o fruto de ponderações equilibradas (isto é o que se espera do julgador).

Se faltasse consistência aos argumentos da acusação, como alegam alguns dos maiores penalistas brasileiros, o Supremo Tribunal Federal não os teria aceitado cinco anos atrás. Mas a corte o fez -e deu início à ação penal, ressalte-se, com decisões tomadas por unanimidade ou larga maioria.

É bem verdade que indícios suficientes para abrir um processo nem sempre o são para conseguir condenações. Não é por outra razão que os advogados tanto criticam as provas contidas nos autos.

Também aí o roteiro é conhecido. Quando falta solidez à evidência processual, o defensor a ataca diretamente. Foi o que fez o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos para proteger José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural: disse que a única testemunha a incriminar seu cliente era um "falsário".

Se a qualidade da prova é melhor, desloca-se o foco dos fatos para as intenções. Arnaldo Malheiros Filho, por exemplo, ao defender o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, não negou a existência de transferências ilícitas e afirmou que o dinheiro se destinava a quitar dívidas de campanha eleitoral, não à compra de parlamentares.

Às vezes o ímpeto dos advogados atropela o razoável, como na afirmação de que José Dirceu, ex-presidente do PT e ex-ministro-chefe da Casa Civil, não acompanhava o partido de perto no governo Lula.

Certas objeções, porém, não são inteiramente desprovidas de fundamento jurídico. Parece ser esse o caso do questionamento quanto ao uso de depoimentos da CPI dos Correios, que os representantes dos réus alegam terem sido colhidos fora do processo judicial.

Há exagero na argumentação, uma vez que o artigo 58 da Constituição confere à CPIs poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Ainda assim, é possível que alguns ministros decidam dar peso menor a essas provas -em especial aqueles que já se inclinem para a absolvição, como se acredita ser o caso de José Antonio Dias Toffoli, por seu envolvimento com o PT e o governo Lula.

Nesse sentido, todo o palavrório da defesa sobre supostas inconsistências da acusação se equipara a uma pregação para convertidos. Pode, se tanto, deixar em dúvida setores leigos da sociedade.

No plenário do Supremo, o artifício não surtirá o mesmo efeito. Os ministros saberão recompor a narrativa do mensalão lastreados nas provas disponíveis. Não é mais do que se espera de todo juiz.

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