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Depuração criminal

Novo Código Penal reduz pela metade o total de normas sobre crimes no país; Senado agora precisa promover amplo debate sobre o projeto

Deve ser saudada como prudente a decisão do Senado de prorrogar o prazo para análise do projeto de novo Código Penal, atualmente em debate por uma comissão especial daquela Casa.

A legislação criminal é, depois da Constituição, a peça mais importante do ordenamento jurídico. Nela estão definidas as condutas que autorizam o Estado a exercer a força contra o cidadão, privando-o de sua liberdade individual.

Essa razão, por si só, já é suficiente para impor uma discussão esmerada sobre o tema. Reforça tal imperativo o fato de que o projeto em tela, elaborado por 15 especialistas, buscou unificar em um único diploma todas as normas penais atualmente existentes no Brasil.

A proposta apresentada sugere a revogação, total ou parcial, de nada menos do que 110 leis que foram criadas desde 1940 -ano de promulgação do Código Penal- e tratam de matéria criminal.

Segundo o procurador da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, relator da comissão de especialistas, o arcabouço penal em vigor contém 662 crimes e 66 contravenções, além de 402 normas não incriminadoras (que dispõem sobre conceitos e aplicação da lei).

No projeto de novo Código Penal, esse emaranhado de 1.130 dispositivos é reduzido para 543, dos quais 374 tratam de crimes e 169 são normas não incriminadoras.

O esforço de depuração é notável. Não só por cortar quase pela metade o total de figuras criminais, mas também por retirar do ordenamento peças ultrapassadas.

Basta dizer que 56 das leis atingidas antecedem a Constituição de 1988 e 38 foram elaboradas durante a ditadura militar (1964-1985).

Esses números ajudam a perceber como é premente o resgate da racionalidade do sistema penal. Ao mesmo tempo, assinalam que uma tarefa dessa natureza não pode ser cumprida com precipitação.

O ideal é que, a partir de agora, os senadores incorporem sugestões e críticas de outros especialistas. Por exemplo, já se chamou a atenção para a desproporção existente no projeto entre a pena para omissão de socorro a animal (prisão, de um a quatro anos) e omissão de socorro a criança (prisão, de um a seis meses, ou multa).

Além de falhas como essa, há temas que precisam passar por debate mais amplo. São os casos de certos tipos penais criados, como "bullying" e enriquecimento ilícito, e do papel das penas de prisão, que deveriam ser aplicadas só para crimes cometidos com violência.

O novo Código Penal precisa, ele próprio, ser depurado. Será lamentável se, nesse processo, os legisladores decidirem recuar diante dos tabus que o projeto enfrentou de forma liberalizante, caso do aborto, da eutanásia e das drogas.

O Senado precisa agora definir a medida certa entre ponderação necessária e postergação excessiva.

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