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Milú Villela

A celebração das artes

Crise mundial e a busca por novas fontes de recursos não explicam toda a vinda de acervos e músicos ao Brasil. O mundo tem apetite por nós

A capital paulista se transformou nos últimos dias num verdadeiro parque das artes. A Bienal de São Paulo e a vigorosa agenda de exposições consolidam uma profusão de iniciativas que só reafirmam a vocação cultural da cidade.

São Paulo já é, sem dúvida, uma das capitais mais efervescentes do mundo em entretenimento e cultura. O circuito se fortalece ano após ano. Hoje, recepcionamos, sem dever nada às maiores cidades do mundo, o que há de melhor em exposições, filmes, shows e espetáculos.

Há quem diga que a crise internacional obrigou os grandes museus a liberarem seus acervos para a circulação global, em busca de recursos. O mesmo se diz de grandes astros da música, que definitivamente nos integraram à sua agenda. Faz sentido.

Mas a explicação não dá conta de todo o fenômeno. Acredito que vivemos nas artes o que o Brasil experimenta na economia. Nos tornamos mais relevantes e o mundo nos observa com olhos cheios de apetite.

A percepção sobre o Brasil mudou. Tenho a sensação de que nós, brasileiros, não nos demos conta disso. O mundo nos percebe melhor que nós mesmos, e é por isso que a cultura contemporânea aflui para cá na proporção que estamos assistindo.

O dado foi constatado até mesmo em um estudo recente produzido pelo prefeitura de Londres, que procurou retratar o novo quadro das cidades culturais do mundo. Segundo o "World Cities Cultural Report", São Paulo já está entre as cidades de grande relevância cultural, com Londres, Nova York, Tóquio, Paris e emergentes como Xangai e Mumbai.

Não se trata só de estarmos integrados ao circuito internacional. Há verdadeira sede pelos nossos ativos culturais. Deixamos de ser expectadores, agora somos protagonistas. E isso não se limita à música, território em que sempre fomos admirados.

Nas artes plásticas, território da Bienal, o fenômeno é visível. Alguns dos maiores curadores do mundo estão na cidade para observar, conhecer e contatar artistas e instituições em busca de mais intercâmbio.

Duas das mostras em cartaz na cidade dão bem a dimensão da força da cultura brasileira no momento. A mostra de Lygia Clark que o Itaú Cultural acaba de inaugurar é um desses acontecimentos que o mundo tornou objeto de consumo.

A mostra é uma das maiores retrospectivas da artista já realizadas no país. Poderá também ser vista no MoMA, de Nova York, em 2013, e há negociações para que a exposição siga para um grande museu em Paris.

"Lygia Clark: uma retrospectiva" reúne 150 obras da artista entre pinturas, esculturas modernas e experiências sensoriais. Traz também originais da série "Bichos", com réplicas para serem manuseadas, e alguns projetos nunca antes executados.

Mineira nascida nos anos 1920, Lygia, que viveu em Paris e depois se fixou no Rio, se dedicou a criar uma arte que enche os olhos dos críticos internacionais. Seus objetos lúdicos e a sua pesquisa artística terapêutica brilham no mundo inteiro.

Entre os contemporâneos, Adriana Varejão é outra figura da cultura brasileira que vai conquistando a cena global e coloca em evidência o peso que nossa dimensão cultural vai ganhando internacionalmente.

Sua mostra no MAM atrai os olhares dos estrangeiros que estão na cidade. Muitos dos 42 trabalhos ali expostos são inéditos no país e integram grandes coleções, entre elas as da Fundación "la Caixa", de Madri, e da Tate, de Londres.

A Bienal, Lygia Clark e Varejão, Tunga, Ligia Pape, entre muitos outros, são símbolos deste momento do Brasil. Elas nos mostram que temos vigor para ser o centro das atenções e que temos muito a oferecer.

Segundo estudo da Unctad, órgão ligado à ONU, ocupamos ainda a modesta 35ª posição em exportação de bens e serviços que dialogam com a economia criativa. Podemos ir mais longe, a julgar pelo interesse dos estrangeiros que se instalaram na cidade nos últimos dias.

Não exportamos só minério, produtos agrícolas e manufaturas. O Brasil é maior que isso. Também podemos ser grandes exportadores de ideias, de criatividade e de cultura, o ativo que tem o poder de nos definir aos olhos dos outros.

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