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Ruy Castro

A prova das empadinhas

RIO DE JANEIRO - Dois meses depois de concluir um tratamento que envolvera químio e radioterapia e uma cirurgia, fui fazer a prova definitiva para saber se ainda me restavam certos gostos, sabores e texturas -ou se teria de me conformar com uma nova e áspera realidade, privada de prazeres gozados por muitos anos. A prova era comer as empadinhas de camarão do Caranguejo, um querido pé-sujo de unha feita, em Copacabana.

O garçom serviu o prato com a primeira porção. As empadinhas do Caranguejo são famosas pela massa de perturbadora leveza, mas robusta o suficiente para só se quebrar em bloco, sem esfarelar. O tempero de seu recheio é outro milagre, mas não era o que me movia naquele momento. É que, para quem sofreu 33 aplicações de radiação na região do pescoço, mandar uma empadinha para dentro é uma façanha.

Uma consequência da radioterapia nessa região é uma saarização do ambiente. A salivação pode ficar tão comprometida que obriga o sujeito a dar adeus a coisas muito secas, como farinha, farofa e... empadinhas. Em raros casos, se as glândulas não tiverem sido mortalmente atingidas, haverá uma relativa recuperação da lubrificação, que ainda pode ser estimulada com limonada ou coisas que deem "água na boca".

A primeira empadinha foi atacada com cautela, tendo ao lado um copo d'água, por via das dúvidas. O naco comportou-se bem e desceu com suavidade pela epiglote. Mandei o segundo -idem. Agora, o teste definitivo: o naco final. Gulp. Lá se foi ele, sem problemas. Eu estava salvo. Atirei-me às outras. Tudo isso foi em fins de 2005 e, desde então, quase mil empadinhas já foram engolidas com amor.

Quando Lula vier ao Rio, alguém deveria levá-lo ao Caranguejo. O ex-presidente também foi irradiado. Falta-lhe, talvez, fazer a prova das empadinhas para voltar a ser feliz.

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