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Elisabete França e Ricardo Pereira Leite

TENDÊNCIAS/DEBATES

Incêndios: a esperança vencerá o medo

Quem investiga incêndios é a polícia, não a prefeitura. A nós, cabe dar apoio emergencial e moradia definitiva. Temos um programa premiado pela ONU

O Natal passado teve sabor especial para Maria da Conceição Ferreira, do Real Parque. A rotina de incêndios e deslizamentos foi substituída pelo conforto do novo apartamento, com guirlanda e pisca-pisca na janela. Maria recebeu uma das 140 primeiras moradias do projeto de urbanização da favela.

Antes, após o fogo, as famílias iam a alojamentos provisórios -que, de provisórios, só tinham o nome. Existiam há mais de 16 anos.

Já foram entregues cerca de 400 apartamentos do total de 1.200. Os vizinhos de Maria ficarão ali, no mesmo lugar, um dos endereços mais caros da capital. Da mesma forma, os moradores do Jardim Edite, ao lado da ponte estaiada, enfrentaram o fogo e agora aguardam a conclusão das novas moradias.

Em 1996, a Segunda Conferência para os Assentamentos Humanos ("Habitat 2"), em Istambul, foi realizada sob o lema "moradia adequada para todos", como parte da agenda da ONU, da qual o Brasil participou ativamente.

Em 2001, a Assembleia-Geral da organização criou o UN-Habitat, um dos principais organismos de combate à pobreza pela implantação da sétima meta do milênio: melhorar a vida de pessoas como a paulistana Maria, cerca de 100 milhões no mundo.

Dia 6 deste mês, a UN-Habitat concedeu o principal prêmio do organismo, o Scroll of Honours, para o Programa de Urbanização de Favelas da cidade de São Paulo.

A ONU não é pautada pelo debate político-partidário dos países-membros. O prêmio é o reconhecimento da qualidade da política municipal de habitação, que, a partir de 2005, foi instituída com o objetivo de quitar o déficit histórico de São Paulo.

Nesses oito anos, foi elaborado o mais amplo diagnóstico dos assentamentos precários de São Paulo, para conhecer os problemas a fundo, estabelecer sistema de priorização, quantificar recursos e implantar o Plano Municipal de Habitação no período de 16 anos. Chegou-se ao número final de famílias sob alguma precariedade na cidade: 800 mil, ou cerca de 3 milhões de pessoas.

A UN-Habitat baseou-se em números para premiar São Paulo. O orçamento para habitação cresceu de R$ 200 milhões, em 2005, para R$ 2 bilhões neste ano. São cerca de 300 mil famílias beneficiadas, incluindo todos os programas, e mais de 20 mil moradias construídas. Mas o que são os dígitos perto do sorriso de Maria instalando a guirlanda na porta?

A precariedade foi atacada. Os alojamentos foram extintos. Famílias que viviam embaixo dos viadutos foram reassentadas: Ilha Verde, Aldeinha, Sampaio Corrêa, Tiquatira, Milton Tavares e outros. Os que restam já têm plano de ação.

Agora, é a vez dos moradores do Moinho. A prefeitura pagou R$ 30 milhões na desapropriação de um terreno na Vila dos Remédios, a cinco minutos de trem da favela, na valorizada Vila Leopoldina. Está em curso a construção de 1.200 moradias no local, com verba dos governos estadual e federal. O residencial será equipado com creche, telecentro, UBS e centro comercial.

A prefeitura não investiga os incêndios, mas sim a polícia. À municipalidade, cabe dar apoio emergencial e providenciar moradia definitiva. Repudiamos tanto os que comprovadamente causaram tamanho sofrimento às vítimas quanto os que exploram o seu sofrimento.

ELISABETE FRANÇA, 56, é arquiteta, doutora pelo Mackenzie e secretária-adjunta de Habitação
RICARDO PEREIRA LEITE, 53, é engenheiro, mestre em urbanismo pela USP e secretário de Habitação

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