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Paula Cesarino Costa

Nem começo nem fim

RIO DE JANEIRO - A van branca sai da rua Bartolomeu Mitre, no Leblon, sobe a rua Marquês de São Vicente, entra na estrada da Gávea e começa a atravessar a Rocinha.

As curvas sinuosas dessa via, que já foram palco do circuito das "baratinhas" -carros de corrida dos anos 30-, são hoje lotadas de automóveis, vans, caminhões e motos.

O trânsito caótico, com veículos em fila dupla ou circulando na contra mão, é organizado por moradores. Uniformizados com coletes, tentam colocar ordem onde o poder público não sente obrigação de estar.

A van para na região da Cachopa, próxima de uma montanha de lixo. A Comlurb diz fazer a coleta, mas não parece. Três mulhe res descem na esquina de uma ladeira íngreme. Só dá para seguir a pé ou de moto-táxi. Procuram a casa de uma colega. Viram numa viela e dão de cara com cinco jovens. Dois carregam fuzis, outro, uma pistola. Fingem normalida de e pedem informação.

Seguem por uma "rua" com menos de 1 metro de largura e traço irregular. O ar parece faltar, o calor aumenta, o cheiro de churrasco vem da grelha instalada nos degraus do caminho de outros moradores.

Incrustada entre os bairros mais ricos do Rio, a Rocinha é um labirinto de grandes, pequenas e minúsculas vias, que ladeiam construções de até 11 andares, erguidas por uma população de mais de 100 mil pessoas que aprendeu quase tudo na marra.

E que vive há décadas sob o domínio do tráfico, há décadas em moradias precárias, há décadas pouco lembradas pelo poder público, há décadas melhorando por conta própria suas condições de vida.

Deixar de encontrar fuzis no caminho de casa é fundamental, mas não mais importante do que não precisar driblar lixo e esgoto e poder morar em casas com ventilação e espaço confortável. A prisão de Nem pode ser o começo da ação do Estado, mas não pode ser um fim em si.

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