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Roupa suja

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O escritor Victor Hugo contava, num de seus poemas, que certo patriarca dos tempos antigos vestia-se apenas "de linho branco e proba candidez". Comuns na Assembleia Legislativa de São Paulo, os ternos em tons mostarda, contrastando com camisas roxas e gravatas esmeralda, já seriam, por si sós, agressões notáveis a padrões tão límpidos de gosto.
Mas o fato de que provenham do bolso alheio -a saber, do contribuinte- os recursos para comprá-los constitui, sem dúvida, o aspecto decisivo de toda a aberração.
Em tese, caberia, portanto, comemorar a notícia de que foi suspenso o chamado auxílio-paletó, que engorda em R$ 40 mil por ano o rendimento dos 94 deputados estaduais paulistas -numa despesa total de R$ 3,8 milhões.
Cumpre moderar, todavia, as reações a essa vitória da austeridade civil. A decisão não partiu da própria Assembleia Legislativa. A mordomia foi interrompida por força de decisão judicial, depois de uma ação movida pelo Ministério Público.
Ou seja, se os deputados estaduais, oficialmente representantes eleitos da população, deixam de se beneficiar do generoso provento, isso se deve ao fato de que promotores públicos -a quem cabe, no sistema judicial, o papel de defensores da sociedade- tomaram a iniciativa de contestar a prática estabelecida.
Defensores da sociedade abrem ação contra representantes do eleitorado: não deixa de haver ironia no caso, que teve até agora bom desfecho. Note-se, entretanto -e talvez haja aqui um segundo motivo para reduzir as expectativas em torno da decisão-, que o principal argumento para extinguir a ajuda é de ordem formal.
O que determinou a suspensão foi o fato de que, em vez de constituir-se em compensações monetárias pelas despesas feitas com o vestuário, o pagamento é automaticamente adiantado em duas parcelas anuais -tornando-se, assim, um abono salarial disfarçado.
Como a decisão pelo fim do auxílio possui apenas caráter liminar, continuará a esticar-se na Justiça, provavelmente, a luta dos deputados para mantê-lo. Afinal, seria demais esperar da Assembleia -ou ao menos de boa parte de seus integrantes- que se dispusesse a lavar sua própria roupa suja.

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