São Paulo, quarta-feira, 01 de janeiro de 2003

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ESPERANÇAS E TEMORES

Raras vezes um presidente da República terá assumido suas funções com o nível de expectativas, numa ponta, e de temores, na outra, tão elevado como faz hoje Luiz Inácio Lula da Silva.
Parte das esperanças depositadas no novo mandatário decorre do fato de o Brasil ter conseguido chegar a uma democracia de fato de massas, com uma participação eleitoral invejável. Basta lembrar que, no ano da eleição de Jânio Quadros, em 1960, o eleitorado representava apenas 22% da população, ao passo que, em 2002, a proporção multiplicou-se por três (65,71% exatamente).
A outra parte, no entanto, decorre claramente da história de vida de Lula e de sua identificação com o imaginário da massa de eleitores em especial os mais pobres.
Na outra ponta, no entanto, há todos os temores decorrentes da fragilidade da situação financeira, agravados pelo fato de a inflação ter atingido patamares que pareciam desterrados para sempre.
Há, além disso, a evidência de que as margens de manobra para governos de países em desenvolvimento se estreitaram enormemente como consequência inexorável do fenômeno da globalização.
O capital financeiro é hoje tão ágil que uma palavra inconveniente ou mal interpretada dita em Brasília estoura instantaneamente em Nova York ou em Hong Kong, em Tóquio ou em Frankfurt, e volta como um bumerangue na forma de aumento do dólar e do risco-país.
Explica-se, por isso, a extrema cautela das autoridades que assumem hoje ao tratar de temas econômicos. O discurso de Antonio Palocci, o novo ministro da Fazenda, caberia perfeitamente na boca de Pedro Malan.
O problema crucial para o novo governo será administrar, ao mesmo tempo, temores e esperanças, sem ceder demais aos mercados, sem contrariar demais o eleitor, mas também sem aventurar-se em medidas econômicas excessivamente heterodoxas ou em atendimento populista às demandas da rua, por mais justas que sejam -e de fato são.
O governo Lula, portanto, começa hoje a caminhar no fio da navalha. Tem direito à torcida para que dê certo, mas esta Folha se reserva o direito de manter a vigilância sobre o novo governo, como o fez em relação aos que o antecederam, no que é a sua melhor contribuição para que as esperanças, ao final, prevaleçam sobre os temores.



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