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GOVERNAR POR DECRETO
Quando na oposição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
classificou o uso excessivo de medidas provisórias como "forma autoritária de governar". Antes dele, também como oposicionista, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
era ainda mais enfático. Dizia que a
"enxurrada de MPs" conspurcava a
própria democracia. A retórica não
os impediu de, uma vez instalados
no poder, usar e abusar desse instrumento legislativo emergencial.
É nesse contexto que foi submetida
ao Senado a proposta de emenda
constitucional nº 72, do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA),
que altera as regras de tramitação das
MPs, conferindo mais controle ao
Congresso Nacional.
Todo governo democrático precisa
de um instrumento para legislar em
casos de urgência. Há situações em
que aguardar os trâmites parlamentares prejudicaria o país. Mas daí não
se segue que o Executivo possa governar por decreto e esperar que o
Congresso apenas homologue suas
propostas. MPs precisariam, como
diz a Constituição, ser reservadas para casos realmente excepcionais
-de relevância e urgência-, e o
Parlamento deveria ser célere em
aprová-las ou rejeitá-las.
Esse, contudo, nunca foi o caso.
Até 2001, o governo usava e abusava
dessas medidas, que podiam ser reeditadas indefinidamente, e os congressistas se furtavam às suas responsabilidades, deixando de apreciá-las. Para pôr fim a essa situação,
aprovou-se a emenda constitucional
nº 32, que mudou a tramitação das
MPs. Elas passaram a ser válidas por
apenas 30 dias prorrogáveis uma
única vez por mais 30. A fim de garantir que o Legislativo as apreciaria,
definiu-se que, a partir do 45º dia, as
MPs passariam a trancar a pauta, impedindo que qualquer outro projeto
fosse votado antes delas.
Em termos institucionais, a situação melhorou -o governo já não
governa por reedições de MPs-,
mas a pauta do Congresso ficou a reboque da caneta do Planalto, que não
conteve sua sanha legiferante.
Os parlamentares, como é óbvio,
não gostam de ter o ritmo de suas atividades ditado pelo Executivo. Assim, o que o senador do PFL baiano
propõe é que as MPs, antes de vigorar, tenham sua admissibilidade
aceita por uma comissão encarregada de avaliar sua constitucionalidade. Se a comissão negá-la, o Executivo poderá recorrer ao plenário da Casa. Caso este também conclua pela
inadmissibilidade da matéria, ou
não se manifeste no prazo previsto, a
MP será convertida em projeto de lei.
Vale notar que o Congresso já tem
pelas normas vigentes o poder de
considerar MPs inadmissíveis, mas
raramente se vale dessa prerrogativa.
O risco aqui é que se troque o atual
excesso de poder conferido ao governo pela "ditadura" dos congressistas. A idéia é preocupante quando se
considera que ambas as Casas são
pródigas em perder prazos e ignorar
matérias importantes. Se a proposta
for aprovada não será desprezível o
perigo de um confronto mais agudo
entre os dois Poderes.
Pode-se e deve-se tentar aprimorar
as regras de tramitação das MPs.
Mas não estamos diante apenas de
uma questão de técnica legislativa,
mas também de amadurecimento
democrático. É preciso fortalecer o
entendimento de que a MP deve ser
usada de maneira parcimoniosa,
sem o que, os problemas continuarão a existir, mude-se ou não a lei.
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