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TENDÊNCIAS/DEBATES
A sobrevivência da autonomia universitária
JOSÉ TADEU JORGE
Para as universidades, é um grande fator de desestímulo. Para a sociedade, é um retrocesso. Urge evitar o desastre enquanto é tempo
APÓS 18 anos de êxito comprovado do estatuto da autonomia, as universidades estaduais paulistas -USP, Unicamp e
Unesp-, que, juntas, concentram
parte substancial da produção acadêmica brasileira, se vêm tomadas de
uma inquietação que há muito não
experimentavam.
Na esteira de uma série de decretos
do governo do Estado, disseminou-se
o temor de que a autonomia das universidades está ameaçada. E, quando
uma questão desse porte é introduzida, com tudo o que implica no cotidiano de uma comunidade de alto poder
crítico e fortíssimo envolvimento social, não há outra maneira de tratá-la
senão com realismo e franqueza. Mas
também com serenidade.
A autonomia universitária é um
princípio constitucional consagrado
desde 1988 e, por conseqüência, também da Constituição paulista. No ano
seguinte, esse princípio foi aplicado
em sua plenitude nas três universidades públicas de São Paulo com a instituição do regime de autonomia financeira com vinculação orçamentária.
Fixou-se para essas instituições
uma cota-parte sobre a arrecadação
do ICMS estadual -inicialmente de
8,4%, subiu para 9% em 1992 e para
9,57% em 1995, graças ao reconhecimento de diferentes governos-, tomando-se por base a média orçamentária de cada uma delas.
À diferença do modelo anterior, em
que os recursos lhes eram repassados
sob demanda -segundo a política do
pires na mão, com sobressaltos de toda ordem-, a autonomia tornou possível às universidades projetar seu futuro e organizar seu dia-a-dia, estabelecer políticas próprias de racionalização e de investimentos de acordo
com o fluxo das demandas sociais e o
comportamento da economia, com a
vantagem de trabalhar realisticamente sobre previsões orçamentárias.
Isso não só gerou condições de trabalho muito mais objetivas como
também assegurou a tranqüilidade
necessária para uma expansão considerável -e contínua- de seus indicadores de qualidade e de produção.
Um quadro da ascensão dos indicadores da Unicamp entre 1989 e 2005
espelha o conjunto das três universidades, cujo crescimento, se não foi
homogêneo, guardou sempre uma
certa simetria.
Com efeito, nesse período marcado
por pelo menos três crises econômicas profundas, a Unicamp expandiu
em 137% o número de matriculados
em seus cursos de graduação e em
74% o número de vagas oferecidas no
vestibular, e o crescimento das vagas
nos cursos noturnos foi de 6,5 vezes.
Os matriculados na pós-graduação
mais que dobraram em relação a 1989
e o número de teses e dissertações defendidas em 2005 foi 280% maior que
no ano inicial da autonomia.
A taxa de professores com titulação
mínima de doutor saltou de 59% para
96%, e o número de artigos científicos
inseridos em revistas internacionais
indexadas cresceu nada menos que
sete vezes. A tudo isso correspondeu,
no mesmo período, um decréscimo
de 18% no número de docentes e de
23% no número de funcionários.
Os números mostram que a universidade pública paulista soube responder à prerrogativa da autonomia com
a contrapartida da plena responsabilidade administrativa e acadêmica.
Disso não discorda o titular da Secretaria de Ensino Superior, José
Aristodemo Pinotti, tomando por base o seu artigo publicado nesta Folha
no último dia 26. Cuida mesmo o secretário de assegurar, em seu nome e
no do governador José Serra, a continuidade da autonomia, da parcela do
ICMS, da política salarial e da expansão de vagas dentro dessa autonomia.
Aqui é forçoso atentar para os fatos
recentes para compreender por que
as palavras do secretário, que deveriam soar como tranqüilizadoras, não
foram suficientes para aplacar as inquietações.
A dissolução do formato do conselho de reitores, o Cruesp -fórum antes presidido pelos reitores, em sistema de rodízio, e agora sob o comando
exclusivo do secretário-, foi interpretada como um gesto preparatório
para medidas mais contundentes.
Coincidência ou não, pela primeira
vez na história da autonomia, as universidades deixaram de receber, em
janeiro de 2007, a totalidade de seus
repasses correspondentes ao mês anterior, o que está longe de ser um precedente tranqüilizador.
Especula-se se isso deveria ser visto como sinal de que, independentemente da manutenção da vinculação
orçamentária -promessa explícita
do governo-, o regime pactuado passa a estar sujeito a flutuações, afora as
do comportamento da economia,
pondo fim a um ciclo de regularidade
que, até aqui, foi cumprido à risca
com resultados os mais expressivos.
São sinais que colocam sob risco a
autonomia. Para as universidades, é
um enorme fator de desestímulo. Para a sociedade, um retrocesso. Urge
evitar o desastre enquanto é tempo.
JOSÉ TADEU JORGE, 53, é reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
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