São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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Tempo de pacotes


Violência da crise econômica propicia ilusões em torno de políticos providenciais e do crescimento do Estado

TORNOU-SE corrente, não faz muito tempo, a expressão "pacote de maldades"; assim se descreviam medidas como a alta dos juros, o aumento de impostos ou a redução de investimentos.
Inverteram-se os termos aplicáveis à situação. Inaugura-se uma época em que nenhum "pacote de bondades" parece ser vultoso o bastante para responder à violência da crise.
Traçar grandes planos de obras públicas e canalizar bilhões para beneficiar empresas e bancos: eis o receituário indicado por boa parte dos especialistas, e que as autoridades de bom grado se apressam em seguir.
Seja qual for o efeito econômico de tais "pacotes de bondades", suas implicações políticas desde já merecem ser colocadas em consideração.
Ainda que um período recessivo tenda a corroer com rapidez a popularidade de um governante, é inegável que o maior risco, no momento, vai na direção oposta. Trata-se de confundi-lo com uma espécie de salvador da pátria, cujas resoluções antes se comemoram que analisam.
É cedo, naturalmente, para criticar as decisões de Barack Obama, recém-empossado na Presidência dos Estados Unidos. Seu carisma pessoal e o significado histórico de sua eleição intensificam ainda mais as habituais atitudes de receptividade que cercam a fase inicial de qualquer administração.
De resto, as primeiras medidas do presidente americano caracterizaram-se pelo senso certeiro da simbologia. Determinando o fechamento da prisão de Guantánamo, coibindo as diferenças salariais entre homens e mulheres encarregados da mesma função, editando normas contra a influência de lobistas na administração pública, Barack Obama confirmou, no mínimo, sua capacidade para criar fatos de pronto apelo midiático.
Não são difíceis de notar, entretanto, as tendências para atribuir a Obama a aura de uma figura providencial. Por conta disso se anestesiam situações que seriam constrangedoras para qualquer administração, como por exemplo as irregularidades tributárias e trabalhistas detectadas no histórico de Timothy Geithner, secretário do Tesouro do novo governo.
A crise não é demonstração de que o Estado acerte quando intervém na economia. A magnitude da ação em curso dos governos é uma exigência cíclica e pontual -porque são cíclicos e pontuais, na história da economia de mercado, os momentos de desarranjo no modo de produzir e distribuir riquezas responsável por um espantoso e acelerado progresso material.
Mas os controles institucionais e públicos, além da abordagem questionadora sobre os atos dos poderosos, não deveriam se sujeitar a oscilações cíclicas.
É contra esse espírito crítico que o salvacionismo -associado seja ao carisma de governantes, seja à urgência de medidas anticrise- sempre atua. Nos EUA, no Brasil ou em qualquer outra sociedade.


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