São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O STF deve proibir as pesquisas com células-tronco embrionárias?

SIM

A vida é dinamismo essencial inesgotável

CLAUDIO FONTELES

A VISÃO POSITIVISTA, ainda presente no conduzir-se das pessoas, reduzindo o agir humano ao que pode ser visto e aferido, enclausura os que assim se conduzem numa atitude mecanicista.
A vida humana não pode ser compreendida por uma perspectiva tão acanhada, típica no pensamento da uniformidade, que não tolera a diversidade, abomina o inesperado, conduzindo-nos quando não ainda à clonagem da espécie humana, mas a estabelecer padrões comuns de expressão visual. A vida humana é dinamismo essencial.
Na fecundação -união do espermatozóide com o óvulo- e a partir da fecundação, a célula autônoma -zigoto- que assim surge, por movimento de dinamismo próprio, independente de qualquer interferência da mãe ou do pai, realiza sua própria constituição, bipartindo-se, quadripartindo-se, no segundo dia, no terceiro dia e assim por diante.
É, portanto, primeiramente embrião, depois feto, bebê, criança, jovem, adulto, velho. A vida humana é dinamismo essencial.
Justo, se assim compreendida, a vida humana é única e irrepetível. Não é linear, de modo que sejamos todos nós, no estágio existencial em que nos encontramos, vistos como no traçado imperturbável de uma linha reta. A vida humana não é assim.
Complexa, surpreendente, imprevisível, dota-se de parâmetros próprios a cada etapa do seu ser. Esse quadro de inesgotabilidade do viver, que fundamenta a dignidade como ínsita ao ser humano, por isso que inviolável, não autoriza que seja eliminada a vida humana em qualquer etapa do seu ciclo existencial.
Bem recentemente, citado em matéria jornalística produzida em nosso país, o pediatra alemão Roberto Wüsthof, a propósito da bebê anencéfala Marcela de Jesus Galante Ferreira, que já completou seu primeiro ano de vida, sentenciou:
"Casos como o de Marcela certamente seriam incluídos nos protocolos de eutanásia na Holanda. Não faz sentido ser diferente. É como se ela fosse um computador sem processador" ("Veja", 15/8/2007, reportagem da jornalista Adriana Dias Lopes).
Aí está: "É como se fosse um computador sem processador".
Essa é a frase, matriz eloqüente de setores empresariais, científicos, políticos e midiáticos, que querem impor o establishment mecanicista. O establishment que reduz a vida humana a algo aferível, coletiva e funcionalmente: "Não faz sentido ser diferente". A vida humana é dinamismo essencial inesgotável.
Eis por que se impunha ao procurador-geral da República o questionamento do artigo 5º da lei nº 11.105, que permite o uso de células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos, para fins terapêuticos.
Não me omiti, quando no exercício do cargo, em fazê-lo. Não se pode matar a vida, ainda que em estágio embrionário, a pretexto de cura. A um, porque no caso das células-tronco embrionárias não há, no mundo, a comprovação, inclusive, de resultado terapêutico favorável.
A dois, porque aberto fica amplíssimo horizonte de pesquisas científicas com as chamadas células-tronco adultas, que já apresentam resultados terapêuticos favoráveis.
Aliás, a evolução da ciência é fator inconteste. Hoje, já se sabe que o cordão umbilical é fonte importante à pesquisa da medicina regenerativa, dada a possibilidade real de pluripotência que encerra.
E mais, em dias recentes, o método científico de reprogramação genética de células adultas do próprio paciente encaminha para a obtenção das propriedades de totipotência nas células adultas, sem que se comprometa o embrião humano.
Reitero que a procedência da ação direta de inconstitucionalidade que promovi significa cessar uma única linha de pesquisa, propiciando que permaneça presente amplo leque de pesquisas. Assim, a ação direta de inconstitucionalidade em nada compromete a liberdade de pesquisa, até porque liberdade não há quando significa eliminar vidas humanas na etapa embrionária.
A vida humana é dinamismo essencial inesgotável. Do embrião ao ancião, seja-nos permitido vivê-la.


CLAUDIO FONTELES, 61, professor de direito processual penal, é subprocurador-geral da República. Foi procurador-geral da República de 2003 a 2005.

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