São Paulo, domingo, 01 de março de 2009

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Processo desgastante

Julgamento do escândalo do mensalão corre o risco de se tornar palco de guerrilha jurídica sem desfecho em prazo visível

QUASE QUATRO anos depois das primeiras notícias em torno do caso, o julgamento dos acusados no escândalo do mensalão está muito longe de um desfecho.
Os 39 réus do processo arrolaram 600 testemunhas em seu favor; algumas delas residem em outros países, e a mera tradução dos volumosos autos do processo em língua estrangeira teria um custo de R$ 19 milhões, estima o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal.
Relator do processo no tribunal, Barbosa confirmou recentemente que cabe à defesa arcar com os gastos previstos nessa tradução. Foi uma tentativa de evitar que, ao menos em razão deste ponto específico, o julgamento fosse protelado.
Ainda assim, persistem as razões para que tudo caminhe com extrema lentidão. O Supremo deliberou, no ano passado, que os depoimentos das diversas testemunhas na Justiça não poderiam ocorrer simultaneamente em diferentes Estados do país, uma vez que a presença dos advogados de defesa deve estar assegurada em cada um dos interrogatórios. Calcula-se que só em meados de 2010 estará encerrada essa etapa do processo.
As peculiaridades e dimensões do caso fazem prever, sem dúvida, novas complicações e peripécias táticas na verdadeira guerrilha judicial que se desenvolve entre as prioridades da Justiça e os interesses dos acusados. Por certo, num regime democrático se assegura aos cidadãos o mais amplo direito à defesa.
No julgamento do mensalão, como em tantos outros casos envolvendo políticos acusados de irregularidades e crimes do colarinho branco, prevalece entretanto a percepção de que se sacrifica, graças a todo tipo de recursos protelatórios, um aspecto não menos importante do que a da ampla defesa de um acusado: consiste na expectativa de que a Justiça seja igual para todos e de que a sociedade possa de fato defender-se de seus agressores, não importa o quão privilegiados possam ser.
O Supremo Tribunal Federal divulgou na sexta o número dos casos envolvendo autoridades que, em decorrência do mecanismo do foro privilegiado, estão sob exame na corte. São 275 inquéritos e 103 ações penais.
Ainda que, em última análise, o foro privilegiado venha a reduzir as possibilidades de recursos protelatórios -uma vez que o julgamento se concentra numa só instância judicial-, a sobrecarga de processos no STF não deixa de ser, por si mesma, mais um fator a dificultar o pronto desfecho de cada julgamento.
O risco não é apenas de que prescrevam as acusações que pesam sobre os réus, mas também o de que, com o passar do tempo e com o advento de novos escândalos, perca-se a memória daqueles, gravíssimos, que haviam mobilizado a seu tempo as atenções da sociedade. E sobre esta viria a cair, em tal hipótese, uma inevitável condenação -a de ver repetidos perpetuamente casos em tudo semelhantes àqueles a que não conseguiu dar justa e rápida resposta.


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