São Paulo, sexta-feira, 01 de abril de 2011

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JOSÉ SARNEY

Alencar e seu destino

No meu tempo, não vi um político ser objeto de opinião tão unânime e receber uma solidariedade tão sem contrastes de todos os segmentos da sociedade quanto José Alencar.
Uns foram populares, mas não tinham unanimidade; outros tinham unanimidade, mas não eram tão populares.
O segredo desse fenômeno foi o sofrimento. Ele deifica as pessoas, mas pede um preço muito alto para a vida.
As 17 cirurgias a que foi submetido, o morar nos últimos dois anos num hospital, o viver entre a esperança e a fé, muitas vezes vacilando numa e na outra, deram-lhe uma aura de homem santificado.
Todas as vezes em que fui visitá-lo, estava inexcedível e comovente no seu ânimo forte, com determinação de lutar pela vida, em sua obrigação de submeter-se a todas as indicações que lhe eram impostas pelos médicos.
Eu me perguntava o que estava passando pela sua alma, qual a meditação que tinha sobre o transe de seus males, e isso me fazia admirar sua vontade de permanecer vivendo.
Chegou a submeter-se a tratamentos experimentais, nos Estados Unidos e na Espanha, arriscando-se como os voluntários que no mundo inteiro aceitam ser cobaias.
Ele me disse que pensava nos outros doentes, que seriam beneficiários de sua submissão aos riscos dessa exposição de laboratório.
Nunca sua cabeça baixou frente à morte. Ela é uma porta de mistério e de dor. Por isso mesmo, o padre Vieira dizia que Deus nos tinha dado a graça de só morrer uma vez. A ressurreição já seria, como dizia são Paulo, a eternidade, num mundo sem atribulações.
Sua vida tem a característica de sua precoce determinação. Nasceu com a vocação das trocas comerciais e, aos 14 anos, saia de casa em busca do próprio negócio, que encontra aos 18, até tornar-se um dos maiores industriais do país.
Essa determinação punha em tudo que fazia a boa ambição do sucesso. Na política, após uma fase de inércia, encontra sua oportunidade e consagração na Vice-Presidência de Lula, que tinha por ele mais que veneração, um sentimento de irmandade, de devoção e de sublimação da amizade.
Alencar teve a firmeza de apoiar sempre, solidário e leal, a causa que tinha abraçado, divergindo de suas hostes para juntar-se ao PT. Mas teve a coragem de discordar de determinadas políticas, como a dos juros, marca de sua coerência e da sua consciência.
Deixa a lembrança de uma saudade no coração do brasileiro, rendido a sua simplicidade e a seu infortúnio diante da doença que lhe consumiu o corpo, mas foi incapaz de enfraquecer seu espírito.

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

jose-sarney@uol.com.br


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