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CARLOS HEITOR CONY
Dona Baratinha
RIO DE JANEIRO - Ali por volta dos 50 anos, de repente se descobriu sozinho. Foi uma sensação boa, saber
que não tinha ninguém a vigiar seus
passos, a cheirar suas roupas, a patrulhar cada hora do seu dia. Na infância, a mãe se encarregava desse
ofício policialesco disfarçado em
amor maternal, "ser mãe é padecer
num paraíso", pois sim.
Mais tarde, foi o colégio interno,
inspetores fuçando os travesseiros e
gavetas da mesa de estudo, procurando aquelas figurinhas. Depois o
casamento, o primeiro e, logo, o segundo, mulheres tão diferentes, mas
iguais na capacidade de encontrar
um fio de cabelo suspeito na gola do
paletó ou de verificar o canhoto dos
talões de cheque para descobrir despesas do pecado.
Ficou sozinho, liberdade, abre as
asas sobre mim. Passou uns dias em
Nova York com uma colega de escritório, pescou no Pantanal com a filha
da vizinha que ele cobiçava e, quando precisou penetrar no universo da
informática, a moça veio em casa ensinar como enviar e receber e-mails, e
tudo terminou num hotel da Sardenha, onde o mar era uma esmeralda
macia na qual podiam mergulhar.
Mas um dia acordou e descobriu
que estava fazendo 50 anos. Um escritor famoso, ao fazer a mesma idade, recusou-se a sair da cama para
não ver no espelho a cara dos seus 50
anos.
Ele não era escritor nem famoso,
mesmo assim ficou encolhido na cama, protegido pelos lençóis, pelas cortinas fechadas, o telefone desligado.
No dia seguinte, procurou esquecer
que chegara aos 50 anos. Por acaso,
passou por ele a moça de saia amarela. Via-a de costas, acompanhou-a
até o primeiro cruzamento, onde o sinal fechara. Lembrou-se da história
da Dona Baratinha, que foi para a
janela e perguntava a todos que passavam: "Quer casar comigo?".
Não teve coragem. Na história que
a mãe lhe contara, Dona Baratinha
havia achado uma moeda de ouro e
por isso queria casar-se. Ele não
achara moeda nenhuma, apenas ficara mais velho.
O sinal abriu e a moça de saia amarela sumiu para sempre.
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