São Paulo, sábado, 01 de maio de 2004

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

O new vira-lata

SÃO PAULO - É mais do que conhecida -e fartamente citada- a expressão de Nelson Rodrigues para designar a baixa auto-estima dos brasileiros: o complexo de vira-lata. Se, em seu contexto original, o do futebol, essa falha já foi superada, em outras tantas áreas da atividade nacional ela permanece viva. Na política e na economia, o complexo de vira-lata transmutou-se de forma curiosa.
O fato de o nacionalismo ter-se ligado no Brasil a projetos de esquerda e de direita que entraram em crise e se exauriram há algumas décadas, deu lugar a uma onda antinacional modernete, travestida de internacionalismo e ornamentada com falsificações globalizantes para disfarçar aquilo de que, no fundo, se trata: a abdicação de qualquer projeto nacional e a capitulação ante o desafio de fazer do Brasil um país mais digno e decente, que tenha uma contribuição original a dar ao mundo.
A característica básica desse "new vira-lata" é a decepção íntima, profunda, dilacerante, fundamental com o fato de Deus tê-lo feito nascer no Brasil. Tudo que o new vira-lata adoraria era que seus antepassados tivessem embarcado no Mayflower.
Pessoas acometidas por esse novo complexo consideram, por exemplo, um escândalo inominável alguém tentar evitar a perda de controle da maior mineradora do país para grupos japoneses. Por que não deixar com o Japão? -perguntam, como se fossem gueixas ou samurais.
O new vira-lata é, pois, o antípoda do perfeito idiota latino-americano. É o sujeito que entendeu o óbvio: que aquele nacionalismo esquerdoso ou direitoso entrou em colapso. Mas viu nisso o sinal verde para embarcar numa onda antinacional.
Antinacional, diga-se, no que diz respeito ao Brasil. Pois o novo complexado tem simpatias pelo nacionalismo alheio. O new vira-lata liberal, por exemplo, perfila-se e enche-se de júbilo nacionalista à simples visão de uma apple pie. Há os que se estufam aos acordes da Marselhesa ou até mesmo os que já admiram a China, lembrando, obviamente, que "aquilo é outro mundo".



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