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Mais uma anistia
Pela quarta vez desde 2000, um programa fiscal pune bons contribuintes ao conceder benefício generalizado a devedores
ESTÁ PERTO de concretizar-se o quarto amplo programa de anistia fiscal
em nove anos. A mais recente iniciativa começou como
medida provisória, editada pelo
governo Lula no final do ano passado. Inicialmente destinava-se
a perdoar as dívidas de até R$ 10
mil contraídas até 2002, bem como a facilitar o pagamento daquelas de pequena monta pendentes após essa data.
Em março, a Câmara dos Deputados modificou a MP e estendeu os benefícios a todos os devedores da Receita Federal,
grandes ou pequenos. Estipulou
que qualquer outra dívida vencida até novembro do ano passado
pode ser parcelada em até 15
anos, com redução de multa e juros e correção por taxas abaixo
das cobradas no mercado.
O Senado, anteontem, dobrou
a aposta e derrubou algumas restrições contra quem já havia se
beneficiado de programas anteriores de anistia e refinanciamento de débitos fiscais. Os senadores também chancelaram o
indexador "camarada" para a
correção dessas dívidas, instituído pelos deputados: será a Taxa
de Juros de Longo Prazo (TJLP)
-hoje em 6,25% ao ano- ou 3/5
da Selic -equivalente a 6,15% ao
ano-, o que for mais alto na época da aplicação.
Pagamentos à vista teriam as
multas anuladas, além da redução de 45% nos juros. Para divisão em até 180 meses -outra liberalidade dos congressistas,
pois a o governo propunha parcelamento máximo de 60 meses- haveria redução de 60%
nas multas e 25% nos juros. As
prestações mínimas serão de R$
50 para pessoas físicas e de R$
100 para pessoas jurídicas. São
condições altamente favoráveis
aos devedores. Já para a Receita
a renúncia fiscal com a proposta
pode alcançar R$ 30 bilhões.
Se a MP original tinha um propósito defensável e limitado -
facilitar a regularização de pequenos contribuintes-, as fartas
concessões produzidas no Congresso são um acinte a quem paga regularmente os seus impostos. A sensação, bem afirmou a
secretária da Receita, Lina Maria
Vieira, é que o pacote trata o bom
contribuinte como "otário".
A mesma mensagem se transmite ao cidadão que tinha tributos em atraso, mas se esforçou
para colocar os pagamentos em
dia. Teve o valor corrigido pela
taxa Selic, além de ter arcado
com os demais encargos previstos. Já quem simplesmente deixou de pagar -sem importar o
valor da dívida, a capacidade de
contribuição ou o fato de ser
reincidente em programas de
anistia- será premiado, se depender dos congressistas.
A concessão frequente de anistias generalizadas lança descrédito sobre o fundamento da tributação, a responsabilidade coletiva pela manutenção dos serviços e dos poderes públicos. A
carga de impostos no Brasil é absurda, não se nega. Mas é preciso
enfrentar esse problema numa
reforma abrangente, que trate de
receitas e despesas do Estado.
Para que cada um pague menos,
é preciso fechar as brechas, legais e ilegais, ao escapismo fiscal.
A anistia proposta no Congresso caminha no sentido contrário
e deveria ser revogada, seja pela
Câmara, para onde volta a matéria, seja pelo veto presidencial.
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