São Paulo, domingo, 01 de maio de 2011

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ALCINO LEITE NETO

O país do futuro

Há 70 anos, em 1941, pouco após Hitler invadir a URSS, era publicado "Brasil - Um País do Futuro", do judeu austríaco Stefan Zweig, então um dos mais célebres escritores do mundo, exilado no Rio.
"Os "pátria-amada", os "ufanistas" ficarão de cara à banda, pois ninguém até hoje escreveu livro igual sobre o Brasil", provocou o escritor Afrânio Peixoto, no prefácio à edição publicada pela Guanabara.
O livro marcou época, com sua visão idealizada, otimista e romanesca das qualidades e promessas da "civilização brasileira". Graças a ele, firmou-se este bordão a respeito do Brasil: "país do futuro".
Minha geração, que amadureceu na ditadura militar (1964-85), tinha por essa obra uma tremenda ojeriza, achando-a literariamente anacrônica, sociologicamente irrelevante e politicamente fraudulenta. Muito céticos, folheando com desdém as páginas, ironizávamos: "Brasil, País do Futuro... do Pretérito".
Falava-se que Zweig escrevera o livro fazendo vista grossa ao Estado Novo (1937-45) e fornecera ao fascismo local preciosa peça de propaganda nacionalista. Diziam que a obra era um meio de o escritor garantir a tranquilidade no exílio sob a ditadura de Getulio Vargas, que só romperia com Hitler em 1942. Naquele ano, desconsolado com o seu próprio futuro, Zweig se suicidou em Petrópolis.
O livro tem várias imprecisões históricas, exageros e simplificações, além de uma incômoda cegueira em relação às injustiças que se propagavam pelo Brasil.
Seria injusto, contudo, exigir dele muito mais do que pode oferecer: sua emoção, sob a forma literária. É o relato de um grande escritor, e não de um historiador ou um sociólogo. É um privilégio para o Brasil ter merecido a atenção da pena requintada de Zweig.
Talvez superior a todo o livro é sua estupenda "Introdução". Trata-se de um pungente libelo contra o nazismo e o espírito belicoso e intolerante da Europa. Podemos lê-la também como um agônico lamento do humanismo europeu, do qual Zweig foi um dos últimos representantes nas letras.
A antiga pergunta do escritor ainda faz sentido, se pensarmos na crescente animosidade contra estrangeiros na Europa: "Como poderá conseguir-se no mundo viverem os entes humanos pacificamente uns ao lado dos outros, não obstante todas as diferenças de raças, classes, pigmentos, crenças e opiniões?".
O Brasil foi a última esperança de Zweig. Aqui estaria sendo criada uma "futura civilização", em tudo oposta a este "mundo devastado pelo ódio e pela loucura".
Os EUA tiveram Tocqueville, nós tivemos Zweig. "Brasil - Um País do Futuro" é o apaixonado e generoso romance de uma nação. Será certamente uma indignidade não nos esforçarmos para fazer jus ao papel que ele nos reservou na narrativa da História.

ALCINO LEITE NETO é editor da Publifolha.


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