São Paulo, sexta-feira, 01 de junho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Universidade e violência

FRANCO LAJOLO

Eu me pergunto que lição de ética, democracia e lógica estamos ensinando na USP. A violência é incompatível com a universidade

A RECENTE notícia de que a UNE (União Nacional dos Estudantes) prepara invasões orquestradas de prédios públicos vem na esteira do farto noticiário sobre a ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo, em que alguns estudantes dizem acreditar ser "um direito da população pedir mudanças e ocupar um prédio público". Trata-se de ordens diferentes de coisas. Evidentemente é direito da população pedir mudanças, mas não decorre da legitimidade desse direito a legitimidade da ocupação de prédios públicos.
Eu me pergunto que lição de ética, de democracia e de lógica estamos, na USP, ensinando a nossos estudantes.
Pela força que sempre representou em momentos decisivos da história brasileira o movimento estudantil -do qual participamos muitos dos que hoje são professores e dirigentes da USP-, não se pode aceitar que herdeiros dessa tradição se arvorem em defensores de valores tão vagos e imprecisos como o direito do povo.
As "tradições democráticas da população brasileira" invocadas pela ditadura dos anos 1960 e o "direito do povo" hoje invocado pelos invasores da reitoria da USP se identificam na irracionalidade dos meios de que se valem: invasão violenta de espaços institucionais, expulsão de pessoas de seus espaços de trabalho, violação de direitos, intolerância diante de opiniões divergentes.
Tais atitudes são incompatíveis com o Estado de Direito que o país vive hoje e com o clima institucional que vige na universidade. Violência e intolerância são visceralmente incompatíveis com a instituição universitária, comprometida desde sua origem com a discussão, com a pluralidade de pontos de vista, com o respeito à divergência.
Se, desde o dia 3/5, a invasão da reitoria da USP atropelou o direito dos que lá trabalham e, mais do que isso, atropelou o pacto de institucionalidade que rege direitos e deveres de servidores e usuários de uma instituição pública, o desenrolar das negociações só confirmou a superficialidade, o equívoco e talvez mesmo a má-fé dos álibis dos invasores.
As exigências para a desocupação variaram de envergadura. Incluíam, em diferentes momentos, desde a revogação de decretos governamentais ao número de refeições semanais servidas no campus e aos serviços de transporte subsidiado para estudantes nos finais de semana.
Não apenas variaram as reivindicações como também se enrijeceu cada vez mais a disposição dos invasores de dialogar -isto é, de ouvir e de ponderar as razões dos invadidos. Os invasores nunca foram legitimados pelos órgãos estudantis, seus porta-vozes tampouco eram legitimados pelos seus companheiros de invasão e também seus mediadores foram sumariamente desautorizados na prática.
A população que paga seus impostos e que com eles financia a Universidade de São Paulo quer, sim, uma universidade pública e gratuita de qualidade. E nós também o queremos. A população, porém, não elegeu como porta-vozes nem os invasores, nem os servidores, nem os docentes que se solidarizam com a invasão. A população que paga seus impostos e que com eles financia a USP respalda uma Constituição que estabelece as relações do Estado com o ensino superior e elegeu para governador o professor José Serra.
É possível que algumas das medidas do governador não sejam do agrado de todos. Merecem respeito os que assim pensam. Porém, a violência contra prédios públicos não constitui resposta tolerável em plena vigência do Estado de Direito e, sobretudo, numa instituição comprometida com a racionalidade e voltada para a produção e a difusão do conhecimento.
Tomar a lei nas próprias mãos em nome de um vago direito da população de ocupar um prédio público é apanágio de movimentos e governos totalitários, como o que no Brasil de 1964 e de 1968 implantou, manteve e intensificou uma ditadura. Se, naquele tempo, a universidade soube responder à truculência dos ataques que sofreu, também saberá hoje responder ao obscurantismo de facções que, sem distinguir democracia de licenciosidade, atropelam o Estado de Direito que a Universidade de São Paulo, desde sua fundação, vem ajudando a construir e a manter.


FRANCO LAJOLO, 66, é vice-reitor da USP (Universidade de São Paulo) e professor titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da mesma universidade.

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