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CARLOS HEITOR CONY
O escritor e o ministro
RIO DE JANEIRO - Ao fazer a revisão para um de seus livros a ser reeditado, Otto Lara Resende deixou uma
observação à margem do texto: "Só
uma besta se mete a escrever livro!".
Meticuloso, amante da forma exata e
do pensamento original, Otto sofria o
diabo na hora de transmitir aquela
prosa que tanto admiramos, mas
que, para ele, estava sempre incompleta, insatisfatória, banal.
Pulo do Otto e do ofício do escritor
para os ministros que sofrem o diabo
não para melhorar o pensamento e
aprimorar o estilo, mas para permanecerem no cargo e evitarem não a
demissão, que faz parte da vida e da
política, mas a fritura, que é humilhante, estação terminal do vazio que
todos evitam, mas que adivinham
possível nos acidentados trilhos da
vida pública.
A forma e o conteúdo torturam o
escritor que busca a perfeição, como
no caso do Otto (evidentemente que
não é o meu caso, nunca dei bola para a perfeição, quero ver no que vai
dar). Mas a batalha do Otto era travada dentro dele mesmo, uma guerra
contra ele mesmo, no interior de suas
entranhas de artista da palavra e do
pensamento.
No caso dos ministros a serem fritáveis (potencialmente todos o são), é o
contrário. Estão com consciência
tranqüila, o cargo é do presidente e o
presidente os prestigia, os candidatos
à vaga é que espalham boatos pelas
colunas dos jornais, denunciam as telhas que o ministro trocou de sua casa porque havia goteiras, as viagens
de passeio que fez com a família, contratou uma estagiária que fuma maconha e aconselhou a compra de um
lote de canetas vermelhas que deviam ser azuis. Tudo mentira, ou pelo menos fatos não provados, ou, se
provados, explicados por necessidade
de ofício e verba.
Surgem suspeitas de que a demissão seja iminente, não passa da semana, do mês, da próxima eleição, o
café que o contínuo lhe serve a cada
dia fica mais ralo e frio. Mas, ao contrário do Otto, o ministro não se sente
uma besta. Vai em frente. Besta é
quem não gosta de ser e ficar ministro.
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