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FERNANDO RODRIGUES
Teflon ao contrário
BRASÍLIA - Ao ler a longa carta do
presidente do Senado, José Sarney,
publicada ontem pela Folha, lembrei-me de uma frase repetida à
náusea nos corredores do Congresso: em política, tudo o que precisa
ser explicado não é bom.
Sarney está se explicando há meses. Quanto mais fala, mais se complica. Num discurso na tribuna,
produziu uma frase de efeito, porém inócua: "A crise do Senado não
é minha, a crise é do Senado".
As justificativas de Sarney sempre pretendem demonstrar uma
suposta legalidade para seus atos.
Mas a argumentação resulta manca, fica pela metade, mesmo para os
episódios mais prosaicos.
Tome-se o caso do auxílio-moradia. Sarney recebeu o benefício
mesmo tendo residência própria
em Brasília. Em sua carta à Folha,
repetiu uma argumentação conhecida: "Trata-se de vantagem concedida nas normas da Casa aos senadores, e só a recebi por oito meses,
sem solicitá-la". Ato contínuo, cabe
então uma pergunta inexorável: já
devolveu o dinheiro?
A história do auxílio-moradia
tem baixa octanagem no tabuleiro
dos escândalos, mas é simbólica pela sua simplicidade. Alguém recebe
dinheiro por oito meses (cerca de
R$ 3.000 por mês). Diz não perceber. O caso fica público. Sarney foi
indagado pela Folha à época se devolveria o dinheiro. Respondeu
com uma digressão -assessores
analisavam o assunto.
Ontem, finalmente soube-se que
o dinheiro será pago. Mas não de
uma vez. Será descontado em prestações mensais do contracheque de
Sarney. Pode ser tarde.
A profecia do presidente do Senado provou-se errada, pois a crise
é hoje mais sua do que de nenhum
outro político. Talvez por conta do
seu passado, Sarney transformou-se numa espécie de "teflon ao contrário". Nele, tudo cola.
Folga para o leitor. Saio em férias
a partir de hoje. Até a volta.
frodriguesbsb@uol.com.br
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