São Paulo, quarta-feira, 01 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Chávez e o golpe em Honduras

JORGE ZAVERUCHA


O presidente deposto esticou a corda em demasia, crendo na "neutralidade política positiva" dos militares a seu favor

BOA PARTE da literatura acadêmica definia Honduras como sendo uma democracia consolidada. Afinal, são cerca de 25 anos ininterruptos de eleições. Mas eleição é condição necessária, e não suficiente, para medir a solidez das instituições de um país.
Essa mesma literatura assegurava não haver espaço para golpes de Estado clássicos: tanques tomando o palácio presidencial. Inexistiria clima internacional; os militares latino-americanos não seriam mais os mesmos (e os civis o são?) e outras litanias.
Está aí o golpe hondurenho para contrariar tais argumentos.
Em Honduras, as elites políticas civis não conseguiram resolver suas divergências pelos canais democráticos institucionais. Diante do impasse, surgem as "vivandeiras de quartéis".
As Forças Armadas, então, aceitaram o convite do Legislativo e do Judiciário para "garantir a lei e a ordem".
Esse foi o grande erro de cálculo do presidente deposto Manuel Zelaya.
Esticou a corda em demasia, acreditando na "neutralidade política positiva" dos militares a seu favor.
Muito se escreverá, sob o ponto de vista jurídico/constitucional, sobre como se deve salvar de pseudodemocratas a democracia. Até porque há brechas legais passíveis de serem exploradas por qualquer um dos lados.
A Constituição hondurenha estabelece em seu artigo 272: "As Forças Armadas de Honduras são uma instituição nacional de caráter permanente, essencialmente profissional, apolítica, obediente e não deliberante.
Constituem-se para defender a integridade territorial e a soberania da Republica, manter a paz, a ordem pública e o império da Constituição, dos princípios do livre sufrágio e da alternância no exercício da Presidência da República".
Como podem as Forças Armadas de Honduras ser apolíticas e, simultaneamente, garantir a Constituição, a paz e a ordem pública? Como é possível que as Forças Armadas se submetam e garantam algo concomitantemente? Em outras palavras, o soberano, tendo o poder legal de suspender a lei, coloca-se legalmente fora da lei.
Trata-se de uma versão mitigada do artigo 142 da Constituição brasileira, que concede às Forças Armadas o papel de garantidoras dos poderes constitucionais, da lei e da ordem.
De fato, o artigo 278 da Constituição de Honduras afirma: "As ordens dadas pelo presidente da República às Forças Armadas, por intermédio do chefe das Forças Armadas, deverão ser acatadas e executadas".
Ora, a tentativa de Zelaya de fazer uma consulta popular para reformar a Constituição, no sentido de permitir-lhe um novo mandato, foi declarada ilegal pelo Tribunal Supremo Eleitoral. A quem constitucionalmente devem os militares obedecer? Há um vazio institucional.
Ante o impasse jurídico, surge a solução autoritária. O Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público e o próprio partido de Zelaya decidiram por sua defenestração. Um típico golpe civil-militar.
Contudo, diferentemente de Chávez, Zelaya não era um militar de ofício, mas um grande empresário do setor agropecuário que se elegeu pelo Partido Liberal. Mudou de lado, mas não foi acompanhado pela cúpula militar hondurenha. Qual o cimento que une os membros dessa aliança civil-militar? Sem dúvida, a desconfiança da crescente aproximação de Zelaya do projeto de poder chavista. Com efeito, Honduras filiou-se à Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), que é um modelo de integração socialista em contraponto ao modelo de livre mercado da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
A busca de Zelaya por um novo mandato, de duvidosa legalidade, foi a oportunidade encontrada pelos seus opositores para se livrarem do neochavista. E o fizeram rapidamente, para evitar uma possível contrarreação como a que ocorreu em 2002, quando Chávez foi golpeado e retomou o poder na Venezuela.
A correria para criar o fato consumado foi de tal ordem que Zelaya foi conduzido de pijamas para a Costa Rica. E o Congresso, sem mais delongas, designou como presidente interino Roberto Micheletti, rival de Zelaya no Partido Liberal.


JORGE ZAVERUCHA, 53, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade da Universidade Federal de Pernambuco. É autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Rubens Naves e Eduardo Pannunzio: OS: o pragmatismo do presidente

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.