São Paulo, sexta-feira, 01 de julho de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
TENDÊNCIAS/DEBATES O espelho dos EUA e a universidade nacional PEDRO MEIRA MONTEIRO
No dia 22 de junho, neste espaço, Rogério Cezar de Cerqueira Leite lançou uma provocação: como a universidade brasileira pode subir no "ranking" de qualidade? Para o físico brasileiro, a resposta aponta para os Estados Unidos e para a Inglaterra. Sua vantagem estaria em que, nas mais qualificadas universidades desses países, (1) o órgão colegiado supremo é formado por membros externos à academia, (2) a escolha de reitores está protegida da força da "corporação interna", (3) há mecanismos de proteção à "endogenia", com escolha de professores titulares de fora da própria universidade, e (4) a estabilidade se alcançaria apenas no fim da carreira. A sedução dos modelos estrangeiros raramente é acompanhada pelo conhecimento de suas engrenagens. Não há dúvida de que a academia dos EUA é, no geral, mais eficiente que a brasileira. Contudo, o elogio desse ambiente supostamente menos personalizado (protegido do perigo da "endogenia") resulta, quando se olha para o caso brasileiro, no aviltamento das instâncias internas de decisão, como se fazer política dentro da universidade fosse tarefa espúria, limitada a "grupelhos" de professores improdutivos. A alternativa seria, então, abrir a universidade e romper a sua lógica endogâmica. Segundo Cerqueira Leite, as instituições de pesquisa em mira têm, como órgão decisório máximo, um pequeno grupo de "cidadãos prestantes externos à universidade". Trata-se do "board of trustees" (algo como o conselho das empresas estatais no Brasil). Porém, os "trustees" (reveladora expressão!) são ex-alunos que se tornaram excelentes em suas profissões e que não raro fizeram fortuna, literalmente. Esta, a verdadeira lógica endogâmica da universidade nos EUA: o martelo que bate e aprova as monumentais decisões orçamentárias pertence a ex-alunos, o que faz com que toda a máquina funcione para agradar os alunos de hoje, que serão os doadores e os "trustees" de amanhã. Endogenia pura, mediada pelo dinheiro. Mas as decisões que chegam à mesa dos "trustees" são tomadas por um grande colegiado de professores, que em universidades mais aguerridas é chamado de "Senado". Não se faz ciência sem política. Outra ilusão é pensar que a carreira docente estaria protegida da endogenia. No entanto, a notória mobilidade dos acadêmicos nos EUA não impede o favorecimento de grupos e de agendas internas aos vários campos do saber. A contratação de um colega "senior" se dá a partir de uma decisão interna dos membros "senior" de um departamento, a ser corroborada pelo órgão colegiado por uma consulta externa a membros do "campo". Um misto de ingerência "externa" e "interna", portanto. Já a noção de que nas universidades americanas o docente só alcança estabilidade "no fim da carreira" é simples engano. Como no Brasil, há um período probatório, em geral de seis anos, antes que se ganhe esse selo vitalício. A diferença é que o período probatório é para valer, existindo aí julgamento "externo", com consultas sigilosas a colegas de outras universidades. Já a justiça desse sistema de promoção é em si um tema espinhoso. Em suma, se os vizinhos ao Norte nos oferecem um modelo, convém olhá-lo por dentro. Do contrário, seremos vítimas da ilusão de que nossa histórica ineficiência é o inverso da eficiência que atribuímos a eles. Como se o mundo, ao Sul, estivesse de ponta-cabeça. PEDRO MEIRA MONTEIRO é professor de literatura brasileira na Universidade Princeton (EUA) e autor de "Um Moralista nos Trópicos" (Boitempo). Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: José Sarney: Cruzado: 25 anos Próximo Texto: Luiz Fernando Emediato: Eike, o aventureiro atrevido Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |