São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Paz, paz, paz

BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA

Ninguém mais nega que a situação nacional se tornou um atoleiro, no sentido preciso e sinistro do termo. Ampliam-se a cada dia os contornos de uma crise político-ideológica, cujas conseqüências, ainda não de todo previsíveis, poderão tornar-se abruptas.
Não é minha intenção vasculhar os labirintos da chamada corrupção ou tecer considerações a propósito de certos mecanismos do poder político. Prefiro atentar para uma faixa da realidade que tem pouco realce na seqüência frenética do noticiário. Refiro-me ao Brasil profundo, que há muito o mundo político-publicitário parece relegar, na prática, ao descaso, e que a esquerda, dos mais diversos matizes, em seu imenso projeto ideológico de poder, quase por completo ignorou... e continua a ignorar.


Certo tipo de esquerda insiste na idéia de uma luta de classes e de um confronto social para atingir seus fins


Ao longo da história, o brasileiro sempre se mostrou ameno e afetivo. Por sua índole cordata, vive ele mais voltado para sua família e sua casa, das quais cuida com afinco, enquanto considera com algum desinteresse e descrença o mundo político e as disputas da vida pública.
Galgada ao poder por certos artifícios publicitários, a esquerda açodou-se em implantar as políticas ditas "sociais", inspiradas por seu utopismo nivelador e de indisfarçável caráter autoritário. O Brasil profundo, frustrado em seu desejo de distensão, presenciou, de início silencioso, depois agastado, o suceder inexorável de planos, projetos, leis, reformas, controles, conselhos etc.
Certo tipo de esquerda hoje influente no Estado e na estrutura da Igreja demonstra uma falta de senso da realidade que preocupa. Insiste na idéia de uma luta de classes e de um confronto social para atingir seus fins utópicos e niveladores.
Nesse contexto, preocupam as declarações -daqui, de lá e de acolá- sobre a luta que continua, os companheiros de armas, o levante das massas, o golpe das "elites".
Talvez as mais alarmantes tenham provindo do novo presidente do PT, Tarso Genro, quando ainda ministro da Educação, em entrevista a esta Folha: "Se as classes populares não tiverem um mediador democrático dentro do Estado de Direito, como o PT (...) o Brasil pode entrar numa situação de anomia semelhante à da Colômbia. A destruição ou a diluição do partido pode levar para uma desesperança radical e aguçar de maneira irracional os conflitos de classe do Brasil, uma radicalização dos confrontos de classe".
Quem conhece o brasileiro sabe que é ele infenso a rixas e a soluções violentas. Ande-se pelas ruas e facilmente se verá que não é propenso às psicoexplosões com as quais doentiamente sonham muitos elementos da esquerda. Nosso povo se habituou a considerar com otimismo as várias crises, inclusive econômicas, pelas quais tem passado. Crente que "Deus é brasileiro" (como afirma um velho ditado), confia em que, com "jeitinho", bonomia e paciência, vencerá as dificuldades.
Que significado encerram, então, as declarações de Tarso Genro? Parece estar subjacente a elas a idéia de que, na Colômbia, a anomia, ou seja, o debilitamento da ordem legal, é fruto do descontentamento popular. Ora, é de sobejo conhecido que resulta ela da ação criminosa de grupos narco-guerrilheiros de índole marxista, como as Farc (que, sintomaticamente, nosso governo se recusa a qualificar de organização terrorista), os quais não gozam de apoio da população. Assim, é explicável que alguém se questione se tais declarações não encerram uma velada ameaça do recurso a forças e métodos não muito claros para tentar lançar uma luta fratricida no país.
Paro para reler estas linhas. Enquanto o faço, uma dúvida me assalta e faz em torno de mim sua dança macabra: diante de um projeto ideológico que se exauriu e não vingou neste sossegado Brasil, estaria certa esquerda disposta à aventura de um golpe de força? Que sentido teria a "anomia" de que fala Tarso Genro? Assistiríamos à proliferação do crime (assaltos, seqüestros, invasões de propriedades urbanas e rurais etc.), proliferação esta apresentada por certas tubas publicitárias como expressão de um "furor popular" incontido?
A referência à Colômbia ganha realce no momento em que se delineiam os vínculos entre terroristas das Farc e grupos do crime organizado (como PCC ou Comando Vermelho), de acordo com afirmações de um juiz de Mato Grosso do Sul, surgidas há dias na imprensa.
Estupefato, ante essa ciranda de considerações e perspectivas tenho vontade de exclamar: senhores da esquerda, se não fostes capazes de entender os verdadeiros anseios de nosso povo, entendei-os pelo menos agora! Observai sua repulsa surda mas profunda às explosões sociais e o anseio de estabilidade que do seio de nossa gente clama: paz, paz, paz!
Não imagineis dilacerar este Brasil que, sob o manto protetor da Senhora Aparecida, deverá atravessar esta crise uno e irmanado, como já atravessou muitas outras, rumo ao futuro glorioso e pacífico que a Providência Divina lhe destinou entre as nações.

Bertrand de Orleans e Bragança é tetraneto do imperador dom Pedro 1º e diretor de relações institucionais da TFP-Fundadores.


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