São Paulo, quarta-feira, 01 de agosto de 2007

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ANTONIO DELFIM NETTO

Conseqüências

UM DOS EXEMPLOS mais flagrantes das conseqüências não-intencionais de ações bem intencionadas é a luta ingente de alguns ambientalistas contra projetos hidroelétricos, por uma simples e boa razão. O crescimento (e muito mais, toda forma de desenvolvimento, que é o crescimento com a cara humana) é, apenas, o codinome do aumento da produtividade do trabalho que resulta da energia externa utilizada no trabalho dos equipamentos que a ajudam na produção. Há uma relação muito estreita entre o crescimento do PIB e o consumo de energia. Tudo é energia. A própria "força de trabalho" é a conversão da energia dos alimentos que o cidadão consome (que é, por sua vez, produto da energia para produzi-los). A quantidade de energia de que dispomos na natureza é constante: não pode nem ser criada nem destruída. Os homens apenas aprenderam a controlá-la em benefício do aumento da sua produtividade.
Trata-se de uma fatalidade termodinâmica que não pode ser alterada por nenhuma pajelança, por mais politicamente correta que seja. Energia e desenvolvimento são os dois lados indispensáveis, umbilicalmente ligados, de uma mesma possibilidade: melhorar o bem-estar da sociedade. O que depende de nossa decisão é escolher a melhor forma de organizar a energia dispersa na natureza para pô-la à nossa disposição. E é mais do que evidente que a energia hidroelétrica -quando pode ser obtida- é a mais conveniente: é renovável, é limpa e consome muito pouco do que em breve será uma das commodities mais raras do mundo, porque seu consumo cresce exponencialmente e sua oferta é fixa: a própria água.
O bárbaro "apagão de 2001", a maior demonstração de incompetência de qualquer governo brasileiro -desde a expulsão de José Bonifácio em 1823- destruiu a grande vantagem comparativa que o Brasil tinha na sua matriz energética. Em desespero e sem alternativa, começamos a superenfatizar as termoelétricas (necessárias numa matriz harmoniosa) e vamos terminar nas átomoelétricas, com custos marginais crescentes e prejuízos maiores para o ambiente.
Quando se atrasa as hidroelétricas, deixamos de produzir a energia limpa e renovável que reduziria a poluição das habitações pobres que utilizam a madeira, o querosene e às vezes o estrume para produzir a energia de que necessitam para a sua sobrevivência. Quando essa energia é produzida pelas termoelétricas, tal redução é anulada pela sua própria poluição ambiental. É um bom exemplo das conseqüências não-intencionais de ações bem-intencionadas, mas mal-informadas.

contatodelfimnetto@uol.com.br

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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