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TENDÊNCIAS/DEBATES
A Prefeitura de São Paulo acerta ao restringir a circulação dos ônibus fretados?
NÃO
Alvo errado
HORÁCIO AUGUSTO FIGUEIRA
O SISTEMA de ônibus possui
uma natureza que o qualifica
como meio essencial aos deslocamentos urbanos. A essência da
função de transporte exercida pelos
ônibus dentro do sistema urbano pode ser comprovada facilmente, raciocinando por absurdo, numa situação
de uma cidade hipotética onde só
existisse um meio de transporte.
Na situação extrema de uma grande cidade em que só circulassem automóveis, seria necessária a existência de uma malha cerrada de vias expressas, trevos e espaços para estacionamento que impediriam a própria
existência da cidade.
Como escreveu Arthur C. Clarke no
livro "Perfil do Futuro", de 1962: "(...)
os veículos -exceto os de utilidade
pública- não podem por muito tempo ser permitidos em áreas urbanas.
Se os carros particulares continuarem a trafegar no interior das cidades,
teremos de colocar todos os edifícios
sobre pilotis, a fim de que toda a área
do terreno seja usada para avenidas e
parques de estacionamento, e mesmo
isso não resolverá o problema".
No entanto, pode-se imaginar uma
cidade em que só existam ônibus.
Sendo um sistema de média capacidade e de trajetos flexíveis, é possível
encontrar um arranjo para os desejos
de viagens dos usuários em termos de
origem-destino e de conforto em que
o sistema urbano não será fundamentalmente diferente do que se conhece
e se aceita como sendo uma cidade,
sem contar as consideráveis facilidades de adaptação às transformações
intraurbanas e à expansão de áreas
periféricas.
Para transportar 35 pessoas viajando sentadas numa faixa de tráfego,
um ônibus convencional ocupa 15
metros. Por sua vez, para transportar
as mesmas pessoas em carros, são necessários 25 automóveis (ocupação
média de 1,4 pessoa/automóvel e 6
metros/automóvel) e cerca de 150
metros -ou seja, forma-se uma fila de
uma quadra e meia.
Os usuários do transporte individual impõem à sociedade os maiores
dispêndios em energia, investimentos para obras de sistemas viários
com eficiência duvidosa, custos dos
congestionamentos, poluição do
meio ambiente, acidentes de trânsito,
doenças respiratórias etc.
É preciso criar urgentemente o
conceito de "engenharia de transporte de pessoas", incluindo o pedestre, e
não só o de "engenharia de tráfego de
veículos individuais".
Para corroborar esses conceitos,
consolidados no meio técnico, e ter
números sobre a demanda real de veículos e pessoas, realizei para o setor
de fretamento uma pesquisa técnica
independente nas avenidas Paulista,
Engenheiro Luiz Carlos Berrini e Brigadeiro Faria Lima, no horário das
15h às 20h, em dias úteis, durante
o
mês de junho deste ano.
Para o cálculo do volume de tráfego
de veículos, é necessário conhecer a
composição do tráfego e, para os veículos de dimensões maiores, usa-se
um fator de equivalência em UCP
(unidade de carro de passeio).
Em termos de engenharia de tráfego, a pesquisa mostrou que o volume
de veículos que está causando a maior
ocupação das vias pesquisadas e com
menor eficiência é o de automóveis/
utilitários, táxis e motos, com 87,6%
de participação do total em UCP e
transportando, em contrapartida,
apenas 48,6% das pessoas.
Por sua vez, o transporte coletivo
como um todo (SPTrans, EMTU, escolar, fretado etc.) representa apenas
11,8% da ocupação total do viário em
UCP e transporta 50,9% das pessoas.
No caso específico dos ônibus fretados, eles representam apenas 2,6% do
tráfego em UCP, mas transportam
17,5% das pessoas nas seções e horários pesquisados.
É importante observar que, no caso
dos automóveis e táxis, 70% deles circulam somente com o condutor.
O congestionamento em São Paulo
não é, com certeza, causado pelo
transporte coletivo e muito menos
devido ao fretamento. É causado, isto
sim, pelo transporte individual, que
ocupa cerca de dez vezes mais espaço
no sistema viário.
Se cada ônibus fretado eliminado
gerar no mínimo três novas viagens
de automóveis, o resultado em termos de tráfego em UCP será o aumento da fila de congestionamentos.
HORÁCIO AUGUSTO FIGUEIRA , 57, mestre em engenharia de transportes pela USP, é consultor independente em
engenharia de tráfego e de transportes e vice-presidente
da Associação Brasileira de Pedestres.
horah2001@ig.com.br
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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