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Direito ao humor
Legislação eleitoral que veta referência a candidatos em programas humorísticos fere garantia à livre expressão
e precisa ser modificada
Os programas humorísticos do
rádio e da TV estão manietados
pela lei eleitoral. Uma resolução
aprovada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no final de 2009
estabeleceu que, desde o último
dia 1º de julho, as emissoras estariam proibidas, em sua programação normal, de "usar trucagem,
montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem, ridicularizem candidato, partido político ou coligação, bem como produzir ou veicular programa com esse efeito".
O resultado prático mais visível
dessa decisão infeliz foi o sumiço
das referências a candidatos e à
própria campanha em programas
como "Casseta & Planeta", da Rede Globo, "Pânico na TV", da Rede
TV, e "CQC", da Bandeirantes.
Os efeitos indesejáveis da norma vão muito além da mudança
compulsória do conteúdo de programas já incorporados à rotina
de entretenimento da população
brasileira. Não se trata de defender este ou aquele programa, mas
princípios. Não é apenas o humor
que está sendo mutilado pelo TSE,
mas a liberdade de expressão.
São conhecidas as intenções
dos legisladores. Como outras tantas disposições, essa visa a assegurar a lisura do processo eleitoral
e garantir aos candidatos um tratamento isonômico. São, sem dúvida, ideais que devem ser observados. Mas que não podem ser obtidos à custa de um diploma legal
que parece estar em desacordo
com os preceitos da Constituição.
Professor de direito constitucional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Gustavo Binenbojm disse em entrevista ao
jornal "O Globo" que "a lei eleitoral brasileira incorre numa inconstitucionalidade, porque a
norma atual é incompatível com o
regime constitucional que assegura a liberdade de expressão".
Binenbojm lembra que nos EUA
o modelo da lei eleitoral é o mais
liberal do mundo, enquanto na
Europa existem algumas regras
para resguardar a imagem dos
candidatos. Mas nada se compara
às restrições da legislação brasileira, na qual prevalece "uma cultura oficialista", calcada na ideia
de que "o Estado deve proteger o
cidadão de si próprio".
Talvez fosse o caso de acrescentar que a legislação eleitoral do
país protege muito mais a imagem
dos candidatos do que os direitos
do eleitor. Impedir que uma figura
como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tão presente na sucessão, ou que os principais candidatos à Presidência sejam parodiados ou abordados sob o prisma do
humor é de um obscurantismo
atroz. Na pretensão de conferir
mais seriedade, infantiliza-se brutalmente o processo eleitoral. Iniciativas desse tipo, de tutela à sociedade, não contribuem para o
amadurecimento da democracia.
Esta Folha já se manifestou, em
mais de uma oportunidade, contra as tentativas de se impor um
excesso de controle judicial sobre
os mecanismos de disputa política. A atual legislação consegue ser
ao mesmo tempo draconiana e
ineficaz. São vários e flagrantes os
sinais de que as normas em vigor
precisam ser revistas. Se fosse preciso escolher um começo para o
debate, poderia ser esse: a população tem o direito sagrado de rir de
maneira desimpedida dos seus
homens públicos.
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