São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Abra o olho, Brasil!

Nos dias de hoje, a distância cultural que separa o Brasil do continente africano é bem maior do que a distância geográfica. Apesar de termos afinidade com vários países da África, o volume de informações que aqui chega é limitado e truncado.
A realização da reunião sobre o desenvolvimento sustentado na África do Sul é uma oportunidade para explorar o desconhecido e verificar que, ao lado de tanta pobreza, a África continua sendo ambicionada pelos seus recursos naturais, em especial pelo petróleo, pelos minerais, pela madeira e pelas pedras preciosas.
A colonização dos países africanos foi marcada pela impiedosa exploração desses recursos. Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Itália e outras nações da Europa pilharam o que puderam, deixando para trás povos famintos e países destroçados.
A gula pelos recursos não acabou. Afinal, o continente possui 7% do petróleo e 8% do gás do mundo. São volumes imensos. No caso do petróleo, chega a 75 bilhões de barris.
As empresas estrangeiras estão pesquisando intensamente o subsolo e o mar africanos. Novas jazidas são descobertas a cada dia. Em 2020, a África terá 11% do petróleo do mundo. Isso é mais do que o Irã e o Iraque somados (Michael T. Klare, "Resources Wars", Henry Holt and Company, Nova York, 2002).
Ao lado do "frenesi" dos técnicos e cientistas, os estrangeiros mobilizam também os seus corpos diplomáticos e militares. Para quê? Eles sabem que o futuro será marcado por uma disputa acirrada entre eles. A Companhia de Petróleo da China juntou-se a empresas do Canadá para explorar a todo o vapor as reservas do Sudão. A Texaco dos Estados Unidos investe pesadamente na costa da Nigéria. A Exxon comprou direitos de exploração no subsolo e no mar de Angola, do Chade e do Congo-Brazzaville.
Na verdade, a luta comercial já começou e constitui um mero prelúdio da violência e dos conflitos que ocorrerão na região. Até o momento, tais conflitos se limitaram a guerras intestinas entre grupos locais de nações ricas em recursos e pobres em democracia. Mas, em pouco tempo, as grandes potências estarão se confrontando pela hegemonia da exploração dos preciosos recursos.
Será mais um desastre na história daqueles povos sofridos. De um modo geral, as instituições africanas são frágeis. Os mecanismos de defesa continuam incipientes. Os governos que fizeram a independência ainda lutam para chegar à liberdade. Enfim, o terreno é fértil para uma conflagração com vistas a novas apropriações de riquezas que, no passado, foram fatiadas entre os "civilizados" colonizadores europeus.
Qual é a lição para nós? Muito simples. Um país tão rico como o Brasil corre o risco de entrar no foco das mesmas ambições. Para sustentar o desenvolvimento, precisamos de instituições fortes, de justiça amadurecida e de governantes capazes -para defender o progresso do povo. E é bom saber que muitos dos que gritam em Johannesburgo contra a depredação da natureza são joguetes dos que planejam levar para os países mais ricos os recursos dos países pobres. A África é o exemplo mais eloquente. Abra o olho, Brasil!


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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